Renata Cazzani - pinturas
Mares de tranqüilidade

©Alexandros Papadopoulos Evremidis *

A primeira vez aconteceu com John Nicholson e me deixou encantado. Depois, virou tradição. Sempre que vou a um vernissage nessa simpática galeria Candido Ipanema, talvez por ter quando pequeno lido muitas histórias policiais, me posto e pasto na calçada do lado oposto da rua. E, me sentindo como se estando num mundo e observando outro mundo, fico a espiar/espionar este outro mundo, o mundo mágico da arte, e a reação dos muitos estudantes que há por ali e dos passantes. Estão aqueles estudando o interior do cubo branco? E estes, passam impassíveis ou surpreendidos estacam e magnetizados não conseguem desviar o olhar? Se demoram pouco, muito, quanto? Pesquisas.

Abandonei meu posto avançado, atravessei a rua e me misturei aos estudantes e passantes para melhor capturar as expressões sucessivas dos rostos de uns e outros e auscultar eventuais comentários. Não foram poucos nem tampouco neutros. Uns, perplexos diante do enigma. Outros, extasiados. Houve um que se esgueirou por entre as bicicletas encostadas no murinho, o escalou, se alongou, se assomou, insinuou se projetar para o interior, foi barrado pelo vidro e saltou de volta dizendo sentir vontade de mergulhar. Foi a senha para os Mares da Tranqüilidade.

De fato, quando finalmente entrei, fui sendo delicadamente envolvido por uma redemoinhada brisa que me fez circular o espaço e perscrutar as paredes com suas telas em diálogo. Diálogo? Sim, a sensação que de mim apoderou foi a de que elas estavam animada mas silenciosamente dialogando. Sobre o quê? Sobre o que mais? sobre a pintura e seus mistérios. Suas problemáticas e suas re/soluções. Sobre a Criação e sobre a criação na e da pintura. O passado e o futuro, no presente. Um presente.

Na verdade, cada pintura de Cazzani eram duas pinturas - continente e conteúdo. Uma, marginal, alegre e descomprometida, gasta e esgarçada, vagabunda mesmo, como se feita com ripas de demolição com que se arma um casebre, um barraco. Ou de carroceria de caminhão destroçado. Ou de brinquedos construtivos incorretamente corretos. Outra, a propriamente própria pintura, sereno terreno/mar interior onde se trava a surda luta da superação da insana crise em que ela se encontra/va, da sua sobrevivência (a si). Aqui o diálogo virara reflexão e meditação sobre sua inflexão - a pintura cujos monocromos tons dançam com liberdade a bacanal valsa nupcial: o pincel, a mão, o braço, o corpo todo vai e vem e torna a ir e vir, buscando o porvir, o tornar-se e o vir-a-ser, o werden.

Não termina assim. Cazzani nos insta, exige, e nós prazerosamente atendemos o chamado à sua/nossa nova postura - postados diante de suas pinturas, involuntariamente vemos nosso corpo impelido a também voltear, ondear, balançar, acompanhar-lhe a fisicalidade da extensão e da sucessão dos movimentos pictóricos. Se entregar ao convidativo pas-de-deux e, quais pássaros em debandada, alçar vôo e voar. Mergulhar disse o outro e não andou errado.

Um dos quadros era negro e justificadamente o considerei como quadro-negro, e tivesse eu giz, mono ou policor, na hora, e, no ato, olhando para as demais telas, teria sobre ele rabiscado a história da arte em geral e a da pintura em particular. Nesse eterno intervalo, o inicial enigma deixara de ser estigma, virara paradigma. Cazzani (conheci-a fugazmente em outros entãos) finalmente se libertou e entregou à espontaneidade, mas sem abrir mão de todo o controle sobre a indômita arbitrariedade das formas e das cores (cavalos selvagens). Agora tudo será alada fantasia.

Não esquecer que Eduardo Sued ia adorar estar lá comigo para adorar.

Depois eu volto.

Breve reparo extemporâneo relativo à ingênua declaração de Cazzani dizendo algo assim como ter pintado até as extra largas laterais das telas, para assim, expandindo-as, induzir o observador a dar a volta completa em torno das mesmas para apreciá-las. Gags and gadgets? Truques e pegadinhas dos pintores que, a todo custo e artifício, se recusam aceitar a sempre anunciada, mas nunca concretizada, morte da pintura?! Soa pretensioso e inovador. Na verdade, o que se busca parece ser o descolamento da pintura da parede, a dotação de uma presença física e maior tactilidade, independência e autonomia. Impedir ao máximo que a parede engula a tela e a transforme em janela, ainda mais em se tratando de pintura não perspectivada. Janela, sim, mas, não pro mundo exterior, pro íntimo interior da artista e do observador. Como se animado interlocutor fosse e nos confrontasse com questões fundamentais, não um abjeto objeto. E isso foi, de fato, razoavelmente realizado.

"Viajando" na "viagem" da esforçada artista, que tal pintar também o lado de trás delas, com chassis e barras e tudo o mais, quando então teríamos, mais que quadros, autênticos objetos pictóricos tridimensionais e lineares, com superfície e fundo, elevações e depressões, saliências e reentrâncias, altos e baixos relevos?! All over e all around? Com a mais-valia de que desse modo eles se tornariam reversíveis e poderiam ser pendurados alternadamente pelo lado direito e pelo lado... avesso. E mais e melhor! - suspendendo-os do teto, estrategicamente afastados das paredes, estaríamos diante do tão almejado e invejado all around escultórico, ao redor do qual, qual Kaaba, poderíamos ir e vir e voltear em solene procissão.

Rio de Janeiro = Março = 2007

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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