Waltércio Caldas : Esculturas e desenhos
A virtualidade do concreto!

"Desenhos"

Waltércio Caldas já era...

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

... bom. Depois, aos saltos quântico-qualitativos, ficou muito bom, melhor e muito melhor! Só não vou dizer que ficou ótimo e muito ótimo para não constranger e comprometê-lo, condená-lo à estagnação da sua carreira de pesquisador do puro e do belo. Mesmo porque dificilmente ele aceitaria os louros e ainda menos as coroas. Parece ser da natureza humana, em geral, e da idiossincrasia de Waltércio, em particular, o desafio e a insatisfação com o já obtido. Além, muito além, no próprio Além, ele se sente forçado e compelido a ir buscar o que nos falta, para nos dotar de algum sentido, que não seja oculto, a existência. As sereias o encantam com seu canto e ele, qual Odysseus, não será do gênero a tapar os ouvidos para ouvidos não lhes dar. Pagará o preço que for.

É covardia o que Waltércio faz ...

...com quem escreve sobre arte. Sim, porque ele, simplesmente, não nos dá a mínima chance para exercitarmos nosso virtuosismo e exibirmos nossa erudição, nossos conhecimentos da história, da estética, da filosofia da arte. E como ele consegue esse prodígio? Colocando isso tudo ali, embora, é bem verdade, de modo discreto e sutil, mas ainda assim ali, na superfície da sua obra, na cara do mundo, a olhos vistos e às vistas de todos. Os atributos, com que um crítico ou um estudioso da arte o adjetivaria, estão expressos e expostos de modo tão óbvio e palpável e cabal e, mais, gritante e saltitante aos muitos ventos, que até o mais leigo dos espectadores os percebe e apreende. Ele não propõe enigmas, ele apresenta possíveis respostas às suas e às nossas inquietações sobre a problemática que constitui a arte e, pour cause, a vida!

De fato, auscultei o coração de alguns artistas, alguns teóricos e outros tantos leigos, presentes à inauguração na galeria do Fidalgo, e de todos ouvi o que eu mesmo suspeitava. Foi quando me senti inútil e frustrado. Humilhado! E fui embora, mas não sem antes me despedir de Waltércio, parabenizando-o pela autoria/criação de uma obra de refinada delicadeza, de mais pura pureza e de insustentável leveza: "Seus trabalhos estão suspensos no espaço, disse-lhe acanhado, logo logo eles vão levantar vôo e ganhar o tempo". Ele até que foi gentil e, achando graça, agradeceu, mas não conseguiu disfarçar a noção da ausência de novidade no que ouvia; não do déjà vu, mas do déjà dito e repetido ad nauseam, certamente estava entediado de tanto ouvir o mesmo refrão/mantra. Só faltou ele atacar com "E você vem dizer isso a mim, que precisei, 'tive que', criar esses trabalhos, sob pena de ...?!" Para completar, me senti ridículo e caí fora. Levar corujas a Atenas. Ou, por outra, "regurgitar" o já explicitado pelo artista, na feliz (et ipsis litteris) colocação do grande Nicholson, que ainda assim consegue tirar partido disso, considerando-o "uma ótima oportunidade para conseguir apresentar uma orientação ao olhar do espectador formulado por mim mesmo. Ou seja: consigo alguma utilidade pragmática dessa falta de cuidado e de interesse da mídia contínua e geralizada pelas artes plásticas para além dos seus aspectos midiáticos próprios."

A imaculada conceição de Waltércio!

Você certamente achará estapafúrdio eu apelar para a mitologia de uma seita para consubstanciar a arte de Waltércio. Mas só até ver os desenhos dele. Porque na verdade trata-se exatamente disso - tal qual a "outra", a partir do nada, assexuadamente (?), concebeu, materializou, consubstanciou, deu vida a seu adorável traquinas, assim fez Waltércio. É só olhar para os desenhos dele para entender.

O suporte primeiro deles é papel, do tipo branco imaculado que sem nenhum esforço parece ser feito de clara luz compactada (o pleonasmo aqui é propósito e significação), como se miríades de fótons flutuantes no espaço vazio, que curiosamente preenchem, conspirassem para lhe conferir uma diáfana e, a um tempo, sedutora densidade. E, de repente, como se do nada, e lá de longe, dos confins do tempespaço, surgem essas entidades de um mundo transcendental, metafísico, imaterial, que são esses desenhos dele, e incorporam, conquistam toda uma materialidade, pictórica e gráfica, uma presença física, concreta, sensual.

Compreende agora porque eu disse tratar-se de uma gênese imaculada? Porque a sensação que temos, e a temos porque ele de caso pensado nos a transmite e comunica, é a de que ele não borrou nem rigorosamente riscou os papéis - ele desenhou foi no ar e o ar coloriu com algumas despojadas linhas, não mais que o estritamente necessário. Um risco a mais e o risco da profanação se estabeleceria, a lâmina do samurai erraria o alvo, amputaria as próprias pernas. Japonês perde, não disse? E se isso não é da família "consubstanciação", da espécie partênica, é porque o boi não voou nem a vaca foi pro brejo.

Mas também pensando em Waltércio não pense em desenhos fechados, figurando ou configurando; não, aqui é tudo aberto, "inconcluso"; os vãos e os desvãos, os intervalos, à direita e à esquerda, em cima e em baixo, no "all around" mesmo, se alternam e se complementam, deixam respirar, e com que generosa fluidez! nos convidam ao lúdico e, a um tempo, criativo exercício da imaginação participativa; são, digamos, interativos, na acepção particular que o conceito adquire e assume na estética/poética desse humilde artista. Tudo aberto e, de tão delicado, tudo extremamente frágil. A inquietação que se nos apodera é função da efemeridade, do equilíbrio instável da arquitetura dos construtivos palitinhos de fósforo e das cartas do baralho, do dominó - bastaria um simples sopro para o arcabouço desmontar, desmanchar, desmoronar. É aí que entra a mais-valia da arte: da fraqueza, constituir o vigor, será outro conceito oriental; da leveza, o peso atraente de um corpo sobre o outro; transmutar a pureza em dionisíacos panegíricos; a elegância não é um atributo mundano: sua criação deve ser creditada à arte maior da geometria - maternidade das mínimas formas e das lídimas cores, sublimes, umas e outras, não por algum parâmetro específico ou proprietário, razão ou propósito, utilitário e/ou aplicável, mas per se.

Não satisfeito e não cabendo em si (e eu disse logo de cara tratar-se de traço estrutural e motor inicial desse estudioso), Waltércio não se contentou com a ilusionística tridimensionalidade, nem com a desabusada espiritualidade que deles radialmente emana. Sequioso de alguma e essencial visceralidade, e para lhes reforçar e robustecer a estabilidade, por meio da integração unívoca, ele se sentiu impelido a empreender intervenções (traquinagens) em suas criações/criaturas e, construtivista, dotou-as também de elementos minerais ctônicos, intrinsecamente representativos e significativos - um cristal, um arame, uma pedrinha - uns, em hierático e contemplativo repouso, outros, funcionais, demarcando e delimitando "terreiros" apropriados para as celebrações de que há pouco falávamos - o himeneu das duas com a terceira - a conferidora de volumes, corpus.

Saliente como ele só! Podiam perfeitamente ter sido os instigantes - uma pedra, um papel, uma tesoura - e em nada alteraria a intenção e o propósito que nascem no ato mesmo da criação. Podemos nos dar ao gracioso luxo de brincar; afinal, ali estão os alfinetes de cabeça colorida (e sintomaticamente sintetizada em laboratório industrial!), haste longa e ponta aguda, que tanto podem servir ao vodu dos xamãs, no espetar bonecos/simulacros, como ao alinhavar das costureirinhas. Waltércio, sendo um e outra, caprichado e caprichoso, e socorrido por esses elementares elementos, alinhavou, costurou, com costura dupla! e amarrou assim seus glipto/desenhos por dentro e por fora, para torná-los mais soltos e mais livres, mais consistentes, esculturais mesmo - resistentes às intempéries e aos apenas aparentes desequilíbrio e fragilidade. Coisa bem sabida de qualquer experimentado cordabambista, Waltércio, por exemplo, que carrega o caldeirão no sobrenome. Mas ele podia perfeitamente descartar isso tudo e passar a assinar como "Ciberneta de Artistas". (Esta é a segunda vez que cognomeio alguém com essa bizarra antonomásia - o "outro" foi Milton Machado).

Rio de Janeiro 2003

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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