| "Descríticas" - o blog de Almir Feijó |
A persistência do demolidor!

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Galerias, mesmo quando virtuais, são pensadas para abrigar pinturas, esculturas, desenhos, arte gráfica e, agora (faz tempo!) também, toda a parafernália contemporânea, ci-inclus, instalações, performances, live-art, video-art, arte digital, antiarte e eventualmente lixo (reciclável ou persistente) e, last, but not least, escatologia. Poderá, assim, soar, além de heterodoxo, extemporâneo e descabido, tratar aqui de um blog. Que sentido isso faria?! E a subseqüente questão que suscitaria:

Há leitura possível que eleve blogs a categorias artísticas?

A questão seria facilmente respondida de modo afirmativo, não fosse a condicional - desde que sua configuração contenha os atributos mínimos que caracterizam a arte. A não ser que se delegue a tarefa da judicação ao destinatário final. Isso porque, depois de tudo dito e escrito sobre a obra em si e seu contexto histórico, tudo o que realmente importa é o impacto estético, intelectual e emocional que ela exerce sobre o solitário observador prostrado (sic) diante dela - da tela, seja da pintura, seja do monitor do PC.

Almir, embora de hábito caudaloso e atirado, aqui se revela cauteloso e retraído. E com sua arguta inteligência e afiado senso (des)crítico não se arrisca a dizer que sim [diz: falta total de responsabilidade! no que está certo - o 'dizer' pertence ao tertius, já que o secundus (família e amigos) padece de suspeição, razão porque prejudicado], mas prova o contrário.

Antes, porém, é preciso circunscrever - o que é blog? Digamos que seja a versão eletrônica do que nos meus (arqueológicos) tempos de menino (os do Almir, certamente nem chegam perto) e também nos de meus três filhos, saídos da adolescência nos últimos vinte anos [idade aproximada do casal 'Personal Computer e World Wide Web' (quem é Continente e quem, Conteúdo?) - ambos com iniciais maiúsculas, já que substantivos onomásticos], se chamava "Querido Diário". Não o do tipo íntimo, escondido debaixo do travesseiro, do colchão, ou no fundo do armário, de vós, pais, irmãos dedos-duros, amigos, curiosos e enxeridos variados [todos doidinhos, por razões libidinosas ou de censura, para dar uma espiadinha nos (invejáveis de tão deliciosos) pecadinhos.

Não, o diário de que estou a falar, é o aberto - um caderno, bloco, bloquinho, passado de mão em mão, em que o dono da parada e seus amiguinhos anotam, desenham, rabiscam, colam, enfiam, metem comentários, epigramas, poemas, recadinhos de amor e amizade, lamúria amorosa (por vezes, afogam-se na tinta e suicidam-se no papel que, disse Drummond, tudo aceita), fofoca e intriga, pensamentos, reflexões, citações, luas e estrelas, florzinhas (representadas e em natura - estas murchando e mofando e virando fósseis testemunhas do amor e do tempo), coraçõezinhos flechados pingando sangue (real!, em caso de pacto). As meninas mais assanhadinhas deixam significativas e excitantes marcas de batom. Ai que saudade da aurora da minha vida!

Desnecessário dizer que tal bloquinho ainda circula por carteiras escolares abrigando sentimentos dolescentes. Mas seu símile digital, o blog (estamos nos aproximando do Almir), embora virtual, ganha corpo e relevância na rede. O que o distingue do 'geriátrico' não é apenas a essência (lá, mais privada; aqui, como no blog do essencial Almir, mais pública), mas também o meio - ao invés de pena, caneta tinteiro, esferográfica, lápis de cor, prevalece e soberano reina o mouse - o ratinho mais ágil e versátil do histórico de homens e ratos (Mickey Mouse é paleontologia). O modus operandi é digitar e copiar e colar (não foi Braque que instituiu o papier collé?!). Mas há que ser com a necessária criatividade. Dentre os muitos blogs existentes, o do Almir cumpre plenamente e transcende e cria relações sedutoramente próximas de conceitos como ímpetus, espontaneidade, atitude, gesto, ausência de parti-pris, abrangência e vazamento para esferas inclusive não artísticas - política, sociologia, sexualidade, filosofia, ética e demais interfaces culturais, todos, já o disse, propriedades seminais da contemporaneidade.

Feito mais esse demasiado preâmbulo, a resposta da pergunta - se o blog do Almir pode ser arte - surge e se insurge e se afirma como eixo axiomático e propulsor. Faz tempo que Duchamp conferiu voz às humanas ansiedades por afrouxamento, dilatação, soltura das amarras e das fraldas, desarranjo, desarrumação, abrindo assim espaço para objetos múltiplos e seriados, achados, recolhidos no lixo, apropria e desapropriados, para o sexo, o sêmen (que a escultora brasileira Maria Martins lhe fez - oral, manual e vaginalmente - em abundância jorrar, para ser aplicado, inclusive, como matéria pictórica) e a matéria fecal (semântica de fertilidade e fertilização). Não dotou ele a arte de respiração e vitalidade, de liberdade (libertação do dogma papal e da academia) - 'conditio sine qua non' da sobrevivência?! Não foi assim também que a elasticidade e a desconstrução se tornaram inapelavelmente nucleares? Outra coisa não significa o por aqui chamado 'jogo de cintura' - qualidade proprietária dos brásis, fillos de descaso nenhum caso da mãe gentil madrasta. Basta ver como eles põem os povos pra cantar e dançar. Não somou Cecília Meireles reivindicando a substituição do 'ou' por 'e'? Dividir as riquezas não é multiplicar as melhorias?!

Vamos ao que interessa (já já eu alcanço esse Almir): como todo crítico, recebo livros, folheio-os para ter idéia e os vou empilhando na mesinha de cabeceira segundo o sistema FiFo: first in, first out - por ordem de chegada. Certa vez atingiram a altura de um menino médio - instável guardião da insônia. "Viajo" no formato dos livros e peço - veja o que vejo: fechados = tijolos (da construção do conhecimento); abertos = pássaros que sobre as asas nos levam a voar (balance-os suavamente e, encantado, viajará também).

Voltando do sonho (para mergulhar em outro): Há pouco mais de ano, chegou às minhas mãos um livro de título demolidor, "Descríticas - 316 Filmes", do Almir Feijó, que fez algo inaudito comigo: após folheá-lo, ele não só não aceitou ir para a pilha, como se impôs e, agarrando-me pelas guambas, me submeteu, sujeitou e subjugou e, furando a fila, me obrigou a lê-lo de enfiada, com a respiração suspensa, uma, duas, três, mais vezes. Avassalador, mobilizou minha existência e injetou ânimo em meu degradado viver. Não bastando, embora sem tempo na ocasião, para alcançar a paz, fui instado por mim mesmo a escrever sobre ele. (Porei link ao final deste texto para você inteirar a apreensão do que estou dizendo).

Mas que fabuloso poder um simples livro de críticas teria?! - um desavisado em aporia perguntaria. Pois o teve e em mais de um sentido: primeiro porque, fazendo um replay virtual dos filmes mais representativos dos últimos 50 anos (que, de par como os livros, decidiram minha formação e agora revelavam o meu eu a mim mesmo), me proporcionou, a mim, cinemaníaco contumaz que fora (ora desviando o dinheiro da sempre insuficiente comida e ora furtando aqui e ali, só para me refugiar no acolhedor ventre do cinema), um revival das milhares de horas passadas no escurinho, a suspirar e a gemer, das inquietantes reflexões existenciais, dos dramas, dos prazeres solitários. E a tal ponto que por instantes senti revigorantes espasmos na alma e, ainda um pouco, há pouco, no baixo-ventre. E segundo porque, não eram críticas genéricas, homogeneizadas e pasteurizadas e assépticas e padronizadas - tipo, leu uma, leu todas (partindo de lugar nenhum e chegando a parte alguma). Não, as Descríticas do Almir, cada uma era uma e, o melhor, em linguagem de ferro e fogo, de tirar o fôlego: dinâmica, contundente, perfurocortante, irreverente, iconoclasta, desconstrutora, des/misti/miti/ficadora e deliciosamente despudorada. Cada palavra uma facada - a Navalha do Ockham!

Vamos ao caso: há pouco mais de um mês, chegou a meu conhecimento a url - universal resource location - do blog "Descríticas" e, apressado (come cru sem vírgula e sem trocadilho), pensei tratar-se da disponibilização da versão virtual do livro. Não era o caso, não nesses termos. O caso do Almir (de quem tudo se pode e deve esperar) é que depois de duas edições muito bem sucedidas, ele simplesmente descartou uma terceira e enterrou o livro {há no index do blog o que me pareceu ser pedra tumular com a inscrição "Descríticas" e sobre ela uma gracinha de anjo de asas negras, um pedaço de mau caminho, merecedor de um pecadinho. Anjo caído? Mau? Justiceiro? Apocalíptico? Tudo pareceria novela de gênero, não fosse a sublime poética a não permitir que tudo terminasse de modo prosaico. Seria mais o caso de conjeturar que Almir, irrequieto e em veloz e contínua mutação, o tenha, qual fênix, feito ressurgir e renascer e metempsicosar em um - em um, não! - em O Blog!

Sim, caro leitor, um O Blog que, não contente com a monômera descrítica da ficcional cinematografia, transcende e com inteligência e humor fala, nas palavras de Almir, de política, artes, fofocas, potocas, minhocas, paçocas e muriçocas, além de masturbações, ejaculações e poluções estéticas. Sim, ele nos diz disso tudo e também abarca e abrange a sociologia, a economia, a cidadania, o despertar da consciência (após longa letargia). E ainda das demais agruras e amarguras da sociedade, do silêncio do (silenciado) povo, de quem o blog involuntariamente se torna porta-voz (que tal renomeá-lo "A Verdadeira Voz da Consciência do Brasil" e radiofoná-lo diariamente às 19 horas ao som de "Você m' enganou"?! ;-/) e historiador da sua contemporaneidade - on line e real time. Almir faz isso de modo conciso e sucinto, econômico, mas com toda ácida e corrosiva língua afiada, subversiva irreverência, cáustica e certeira ironia, oportuno senso crítico, destemido destemor [apesar das veladas e declaradas ameaças, até de morte! que recebe. Não é pra menos, já que mexe e remexe e atira no ventilador material altamente inflamável - os 'sagrados' interesses do covil dos mensalistas (de mensalões e mensalinhos, cuequistas e malistas e demais listas). Voto de cabresto, no topo da pirâmide das mamatas, não mais depende de migalhas e rapadura, depende do montante mensal. Logo será semanal, diário, horário, instantâneo. Tu me dá que eu te dou (meu voto de escroto)].

Almir não é voz solitária pregando no deserto. Haja visto ser o blog, tal qual sua matriz analógica, interativo, artistas, populares, políticos, teóricos e intelectuais acessam o Descríticas e postam mensagens de repúdio contra os espoliadores de colarinho branco maculado imundo, e de apoio e estímulo para quem tem a ousadia de tornar público o que todo cidadão devia fazer - dizer, trepado no Areópago, o que pensa!! Aqui temos de novo o admirável Almir - minimalista, essencialista, sombrio e gótico e, a um tempo, exuberante e tropical. Textos curtos e enxutos e charges e imagens que falam por mil, dez mil, e legendas e comentários - seus e de seus "cúmplices e conspiradores" - todos desejosos de estancar a sangria desatada do dinheiro público do país dos zerofamintos, dos que vivem na rédea curta do cartão disso e daquilo (que garante o voto de curral). Tudo satírico (Petrônio perde) e tudo, não podendo deixar de ser, também erótico. Moral: uma enxurrada de pageviews - de janeiro a setembro, próximo de 250 mil internautas (e externautas :) já clicaram, marcaram presença e deram seu recado "a quem interessar possa". E a quem pode isso não interessar, se só se é cidadão em sociedade organizada por sintagma?

Na terra do Almir, esse instigante pólo de arte e cultura e efervescência político-social em que se transformou a bela e discreta Curitiba, compondo sólido tripé com Rio e São Paulo, é festa direto. Sendo a cidade sede física do Blog, não se fala em outra coisa. Falta total de responsabilidade - repito, diz, modesto, o Almir. Exercício de cidadania - diremos nós. Sim porque um povo que passa por tais vergonhas e humilhações, não fossem as vozes dissonantes dos blogs e dos Almires e similares, pode (se já não) perder a derradeira esperança (Ai, Pandora!, fizeram mais e pior - deixaram escapar o que nem você conseguira) e decair na depressão e no niilismo, na total negação da vida. Ou, na violência descontrolada. Sim, leitor, a reflexão e o humor têm esse poder otimizador; e blogs, como o do Almir, irrigam e suprem o povo e o povão de alguma crença no futuro e de oxigênio-cidadão e de ardente consciência e de sentimento de auto-estima, de que ele não é bobo, é feito de bobo pelos metidos (a espertalhões). Afinal, desde os gregos, teatralizar e ridicularizar e carnavalizar é, além de propedêutico, absolutamente salutar e catártico. O que *Wally+ escreveu sobre o livro - "Furioso como um raio, doce como uma cocada. E irresponsabilíssimo, de uma falta de medo assutadora" -, vale para o blog e vale para o Almir.

Perdão, tolerante e paciente Leitor, pela necessária demora, e obrigado por chegar até próximo do ponto final, contendo a ansiedade de saber como afinal fazer para acessar o blog do Almir e se juntar ao coro dos Descríticos e das Descríticas. Pois aqui vai: Descríticas. Vai, portanto, que eu também vou - a gente se encontra lá, na companhia do Almir que nos belisca, cutuca, espeta, encoraja, anima e faz gozar de tanto rir :) (da própria e da alheia desgraça, que é onde está a graça). Fui!

Se blog é arte? A esta altura, a questão se tornou irrelevante: é vida líquida e certa.

Acesse o blog Descríticas

Leia comentário sobre o livro Descríticas - 316 Filmes

Saiba por que o o blog do Almir é "milionário" aqui

Rio de Janeiro - Setembro - 2005

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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