VERONICA CORDEIRO - Projeto IN-corporativo - Operato - a-b-e-r-t-u-r-a / eX-posição
Tocante e ardente Lucidez

O projeto:
Nove personagens que não interagem entre si mas ocupam o mesmo espaço arquitetônico compõem esta manifestação artística, que explora algumas questões fundamentais da relação entre o indivíduo e a instituição/ sociedade. Cada personagem sofre de alguma limitação e/ou fragilidade psíquica ou física, que determina, junto com esculturas e outros objetos, o seu "nicho" de ação e expressão.

"Ópera-ato" é o título dado à apresentação performática; o formato artístico da apresentação aproxima-se mais da ópera do que da peça teatral ou da performance de arte. Alguns personagens se expressam através do canto, da música, e/ou da língua/linguagem, outros interpretam os seus papéis com comportamentos corporais que não incluem a fala ou a expressão verbal. Quando lida de uma só vez, essa conjugação culmina na palavra "operato", que remete a "operário", "aparato", "operar". O conteúdo do encadeamento de cada personagem está enraizado na discrepância social que vivemos no Brasil, e que é tão nítida na cidade de São Paulo. A desigualdade econômica e social da sociedade paulista gera 'zonas baldias' por onde transitam, ou onde se depositam, seres "descartáveis" para a economia e a sua produtividade, como o pobre/desempregado, o doente ou deficiente, o velho, o ladrão ou criminoso, a senhora que "ficou pra titia" sem formar a própria família… Esses personagens não são interpretados como vítimas de uma sociedade injusta, o que não é novidade para ninguém; eles estão presos pela própria incapacidade de romper com regras ou preconceitos herdados, em função de uma limitação à qual estamos todos submetidos: a extensão da percepção.

É nesse sentido que são pontuados dois termos que fazem parte do bê-a-bá do circuito artístico: "abertura" (vernissage/ noite de abertura de uma exposição de arte) e "exposição". Duas palavras cujos significados foram esquecidos em virtude do "glamour" e narcisismo do circuito – A-B-E-R-T-U-R-A (é o que menos sentimos numa vernissage, estamos todos muito bem protegidos cada um em seu "nicho"), e EX-posição (um convite para a reavaliação de posições, de posicionamentos perante a vida, o(s) mercado(s), as ambições e aspirações, a "carreira", a escalada pelo "sucesso").

Partindo da condição do artista contemporâneo que atua de forma "independente" perante o mercado vigente da sociedade capitalista (não possui um emprego assalariado que visa contribuir para o constante fortalecimento da economia, agindo à margem do ímpeto de intensificação da produtividade empresarial e do status institucional), coloca-se em questão aqui a própria percepção, na arte e na vida urbana, por meio de situações que geram visões e caminhos alternativos. No desenrolar do ato, cada personagem alcança momentos de amplitude visionária, ou de uma simples iluminação de sua condição confinada. No entanto, o ato é contínuo, não havendo uma narrativa linear com início, meio e fim de uma história conclusiva, e essas instâncias de descoberta e ampliação da percepção retornam ao seu ponto de partida constritivo, num movimento sempre circular.

O canto, a música, vozes narrando contos de pessoas sem voz, a atuação, a expressão corporal, esculturas, objetos, desenhos, fotografias, vídeo-animações, costumes de papel e o projeto de iluminação integram-se dentro de um discurso que é ao mesmo tempo real e fictício, no qual se confundem o papel da realidade (social, política) no universo da arte e o lugar da arte na realidade (econômica, social).

O andar superior da Galeria Virgílio representa o "terreno baldio" – a terra de ninguém – onde oito dos nove personagens tem seu "nicho" visual e físico. O nono personagem permanece no andar térreo, entre esculturas, fotografias, e uma animação fotográfica projetada na parede de Sr. Raimundo – um "personagem" que mora na rua em São Paulo, e, fixo no mesmo local há 13 anos, passa cada dia do ano escrevendo assiduamente, sentado e curvado na mesma posição. Do mesmo modo que os personagens representados por atores e artistas no andar superior são ao mesmo tempo esculturas que às vezes se "reavivam", o Sr. Raimundo é uma "escultura" que nos olha, com um olhar aberto e concentrado que reflete um outro tempo de vida, o tempo de sua realidade e "escolha", que resiste à crescente aceleração do mundo urbano.

A Exposição:
Durante as duas apresentações nos dias 15 e 16 de fevereiro, termina de se "completar" a composição do "terreno baldio", que é tanto um palco quanto uma exposição independente. Os costumes sem os atores personificam o silêncio dos personagens, e os fones de ouvido pendurados sobre as cabeças dos rappers do Coro, delineadas em nanquim na parede durante as apresentações, permitem um acesso mais íntimo aos relatos de vida brilhantemente descritos no cordel por adolescentes "marginais". Ao contrário de um conjunto de "resíduos" de performance, no qual os objetos e outros dispositivos utilizados no ato permanecem no espaço expositivo como "restos" de uma expressão prévia, aqui os personagens e portanto as suas "roupas" já são esculturas antes de se tornarem personagens. E os atores são simultaneamente os manequins das esculturas. O espaço como um todo, os dois andares da galeria com o conjunto de esculturas, desenhos, instalações sonoras, vídeos, passagens e interferências arquitetônicas, foi abordado como uma pintura ou um suporte para uma composição composta de diversos elementos formais, como a cor, a forma, a harmonia e o desequilíbrio espaciais, a iluminação e o desenho, este último tendo a função de ponto de partida e conexão de todas as partes. O espaço é um palco em processo de tornar-se uma "eX- posição", e vice-versa, uma exposição que se torna um palco e volta a ser uma exposição.

Os Personagens:
A apresentação na a-b-e-r-t-u-r-a (15 de fevereiro) está composta por nove personagens que não interagem entre si mas existem no mesmo espaço simultaneamente. O espaço é um "terreno baldio" com aspecto abandonado e mal pintado, que está esquecido no tempo. Cada personagem sofre de alguma limitação física ou psíquica, pontuada por esculturas, objetos e outros elementos que caracterizam o "nicho" espacial e estético de cada um.

Eles não possuem nomes, as suas identidades são a sua condição: o Cadeira sofre de uma doença rara que delimita a sua existência a uma cadeira de rodas, que por sua vez constitui a coluna vertebral que sustenta o seu corpo atrofiado; o Coro composto por 3 rappers que cantam cordéis escritos por jovens numa oficina na FEBEM do Brás estão presos por fios como marionetes, e se movem como tais; a Dama do Espelho só consegue enxergar a si mesma (existe sentada sobre um espelho) e se expressa por meio da Voz de um outro corpo – que é a aparição em seu imaginário de uma infância promissora; Lucky toma seu nome emprestado do personagem de Samuel Beckett em Esperando Godot e é um ser "mumificado" que tenta imitar a coreografia de um boneco numa vídeo-animação titulada "Lucky in the (white) cube" [Lucky dentro do cubo (branco)]; o Escada usa um terno feito de lambe-lambes da Vila Madalena e passa o tempo no esforço compulsivo de chegar até o topo de 4 escadas moles, feitas de lona, sobre as quais brilham 4 tijolos de "ouro" com a palavra "sucesso" escrita em relevo no centro e na face de cada; e o Carretel é um personagem que tem um fio de linha preso à sua calça (também feita de papel) que compõe desenhos à medida que ele anda – é o único personagem que se desloca pelo espaço e entre os dois andares.

A artista ocupa os dois andares e a calçada da Galeria Virgílio com um grupo de 20 colaboradores, entre os quais atores profissionais e iniciantes, artistas visuais, músicos, dramaturgos e produtores. Nesse sentido, o título OPERAATO propõem uma manifestação artística "IN-corporativa" que parte do intuito de se repensar o formato da relação predeterminada que existe entre criador/artista e espectador/ "leitor". Aqui o "espectador-transeúnte" passeia por entre os personagens-obras, e está sujeito a tornar-se, em algumas instâncias, suporte para a expressão ou o registro em processo de composição. Na maioria dos casos, os atores/ performers e os personagens interpretados por eles têm histórias que se cruzam e enriquecem, e no processo dos ensaios vão se desenvolvendo continuamente.

Veronica Cordeiro (São Paulo, 1974) se dedica à sua pesquisa artística desde 2001, quando realizou suas primeiras exposições coletivas e individuais (Swing in Limbus, Galeria Baró Senna, SP, 2001; Limbus Delirius, Programa de Exposições Centro Cultural São Paulo, 2001). Desde então tem realizado intervenções urbanas independentes (Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte) e participado de coletivas como "Vizinhos", Galeria Vermelho, 2003; "Objeto como Imagem", Galeria Virgílio, 2003; e "Outro Lugar", Galeria Virgílio, 2004, todas em São Paulo, e Arco, em Madri, Espanha, com a Galeria Baró Senna, em 2002. É formada em História da Arte pela Edinburgh University, Escócia, e é colaboradora de arte da revista Art Nexus (Bogotá/ Miami), tendo publicado extensamente em outras revistas como Trans>arts.cultures.media (Nova York), Trópico (revista eletrônica, São Paulo) e Arte y Parte (Valencia). Organizou e editou o livro E(x)tra (2003) que reúne os debates culturais realizados em ocasião de 4 exposições coletivas de jovens artistas contemporâneos realizadas ao longo de 2001 e 2002. Entre outubro de 2003 e março de 2004, produziu o mais recente filme do artista norteamericano Matthew Barney – De Lama Lâmina, e idealizou e organizou o seu lançamento mundial na Pinacoteca do Estado de São Paulo em setembro de 2004.

Rio de Janeiro 2005.


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©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
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