Vera Goulart

A artista e a esperança exorcizando seus (nossos) fantasmas

©Alexandros Papadopoulos Evremidis


Não é mero acaso Vera Goulart ter arte no nome. Exercita e, de velas içadas, sementeira realizada e lamparina (de Diógenes) acesa, parte uma vez mais e navega e dissemina-a por toda parte e nossos tartáricos inconscientes ilumina. Aqui, ali, em Portugal, na Espanha, Suíça, por aí e pelos demais quadrantes - buscando, sempre buscando, remexer no lodo de nossas consciências, amorosamente arranhar nossos cérebros e despertar e transmutar-nos de meros homo ergaster em homo sapiens-sapiens - humanos portanto e daí humanistas.

Dotada de inesgotável criatividade e de têmpera irrequieta, Goulart disso faz mais, muito mais! que simples atividade - inteira devoção, corpórea e espiritual. Ao preço que for, no tempo e no espaço que estiverem a seu dispor, já que não mede nem calcula. Zera tudo e anula. Respira fundo, se entrega, se doa e se recolhe para meditar e novos planos arquitetar, tecer o fio com que dotará a Ariadne no percorrer das tenebrosas escuridões, que, ela sabe, estão à espreita, prontas para atormentar, o corpo de sua mente dissociar.

É dentro dessa perspectiva que, sem medo de errar, afirmo, confirmo e reafirmo serem o móvel e o modus operandi de Goulart dicotomizados. Para entendermos apropriadamente, necessário se faz o apelo a uma fantasmagoria icônica que nos afigurasse essa bela jeunne femme, em plena floração biológica e artística, esticada e dependurada entre dois mundos - com um pé precariamente fincado no real e com o outro, tremendo, mas ainda assim destemido, perscrutando o território desabitado do surreal.

Naquele, como que não desejando ter o vínculo fetal subtraído, com uma mão segurando o tal invisível fio da meada, ela tateia os interstícios, esses espaços obscuros e úmidos, interditos aos não iniciados, vazios e a um tempo plenos de dejetos e rejeições, de dor e de angústia, rebeldia e subversão, gritos alucinantes e sussurros abafados que ela, sintonizada em suas freqüências, imperceptíveis à koiné, apreende e transfigura. É esse o material plástico de suas criações - geratriz e nutriz de sua explosiva e nuclear expressão, seja estática e contemplativa, seja atuante e interativa. Em um caso como no outro, ela a eles, com movimentos, linha, forma, volume e cor significativa, conferirá respiração e voz, emoção e sentimento, sentido e direção - psiqué.

Neste outro terreno, o do surreal, Goulart, já despida de toda inibição e liberta das regras e das leis, dos ditames mesmo que problematizam o próprio fazer artístico e até mesmo seu sentido e necessidade no mundo, a artista se sente, e está! em casa, absolutamente disponível para os traçados espontâneos e nervosos e agitados, quais golpes de arma branca, indo direto à radiografia medular e sangüínea, engendrando e dando (trazendo) à luz do dia signos e semas, alegorias e metáforas. E mais - transcendendo, numa espécie personalizada de storytellig, não representa nem recria o mundo, ela simplesmente o cria, o povoa e o anima e o sinaliza com verdadeiras parábolas, prenhes de piedoso terror. É aqui que vejo Goulart como uma sacerdotisa absolutamente contemporânea que, detentora de um rito (que, a possuindo, a torna possessa), oficia o drama e a tragédia e dessacraliza o mito. Delicada e subrepticiamente revela-nos a frágil e esquelética estrutura dos totens com suas feridas abertas aos cães e aos abutres. É sua maneira de nos contagiar e contaminar, de nos envolver e cooptar, fazer sentir vergonha e rever conceitos.

Em momento algum, entretanto, Goulart descuida do objeto da sua paixão real - a ardentemente desejada reconstrução, depois da necessária Abbau, é claro, já que, também disso sabe ela, ser aquela preferível à fatal Destruktion da terra arrasada. Qual será o prodígio de se lançar do nada para a eternidade, se no nada nada há? Viver plenamente, para Vera Goulart, é função endócrina da arte. E é esta a motriz que a move e a impulsiona (quase compulsivamente). Mas também lúcida e criteriosa, sempre! Daí porque não recorrerá ela a álibi algum para se furtar ao chamado e se eximir da criação. O pathos e o pothos são seus cúmplices e conspiradores. Conhece os códigos e está de posse das permissões. Não haverá erro!"

Rio de Janeiro 2004

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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