"O PESO DO BUQUÊ", de Valéria Villela / Editora 7letras
Vale o que pesa!

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

- É peso leve ou peso pesado? - pergunto à escritora Valéria Villela.

- "Sustentável" - responde ela com delicadeza para não me machucar.

Olhe bem, preste atenção! Grave este nome. Mesmo que ela nunca mais publique uma linha sequer, será difícil esquecer o que ela vai fazer com você (nem mãe, irmã, filha ou amante faria) - ela vai pôr Alice nua e crua na sua frente! E mais! Deixará nu, e exposto!, a você também! E pior - descarnado, em osso puro, tiritando de frio e rangendo as artículas. E melhor - você pedirá mais, "sim, bate, bate mais!" E então ela vai bater e você vai sentir o peso do tal buquê. Mas não tenha medo - "Sustentável", ela não disse?

Escolhi ir ao lançamento do buquê, no dia 22/10, no Museu da República, no Rio de Janeiro, por achar o título instigante e intrigante, sugestivo! - seria uma lavanderia, um réquiem, um epitáfio, uma tese, a morte do casamento, seu enterro ou o quê? Um encómio? Ver para crer!

A Livraria do Museu dá para uma varanda onde os autores autografam sentados à uma mesinha. A fila das criaturas esperando pelo encontro com o criador era interminável! Todos - famosos e anônimos estavam lá! Por instantes parecia que o Rio inteiro, o Brasil e o mundo haviam baixado lá para participar da magia, sim, porque Valéria parece misto de fada com bruxa, ou alquimista, se preferir, que ardeu por gerações, e em nome de todas as mulheres, nas fogueiras para agora renascer, ser pleno e inteiro. Liberto. Em dado momento, digo-lhe, indicando a infinitude da fila, que esta noite ela é a mulher mais amada do Brasil. Seus olhos ficam aguados, mas Valéria, valente e valiosa como é, se controla para não chorar. Não chora mais. Nem mesmo em dia de finados no cemitério. Também, depois de ter chorado anos a fio por cada um de nós!

Valéria dissera que o peso do buquê era sustentável. Bem, eu sucumbi na primeira, na segunda e na terceira leituras sob o peso da carga dramática de um texto aparentemente despretensioso, quase jocoso. A cada instante, ela, não nos convida, nos intima, com delicadeza, mesmo quando nos xinga, a sentir o que ela sentiu ao carregar o buquê que ela carregou, vestida de mãe, principalmente a nós, homens, mas também as mulheres, à reflexão. Embora possa iludir os incautos como libelo feminista, na essência é um livro humanista que sabe da contraditória cumplicidade de oprimidos e opressores, machos e fêmeas, pais e filhos, governos e governados.

Em nosso imaginário mítico, Alice é menina inocente e ingênua, "que não brinca brincadeiras de meninos nem goza feito homem", que por passe mágico atravessa espelhos e descortina territórios maravilhosos. Nem desconfiamos que ela não tinha "subido", que ela andara penando por aí até "descer" sobre o cavalo Valéria e por seu intermédio nos revelar o que o mundo adulto, a convenção, a cultura e a própria civilização nos escamoteu, ocultou e subtraiu, traíndo-nos: Alice qual a boneca de pano Emília tinha vida de verdade, desejou e chorou e sofreu, se masturbou e amou, vê!, coisa impensável, tinha até sexo! E lucidez caustigante! E, "ahdeus", inteligência e percepção. Idéias e revoluções políticas.

Comparado a ela, o meio - o macho e "sua" família , o sistema de governo e o mundo eram deliberadamente cegos e obtusos, preferindo sujeitar Alice, e com ela a todos os homens e mulheres, à camisa-de-força do faz-de-conta, aí, sim, hipócrita e criminoso. Alice, portanto, que já era uma fadinha, agora revela-se também uma "fodinha", - sapeca, ácida, irônica, bem humorada, e sobretudo transgressora e iconoclasta, de uma consciência e lucidez avassaladoras! Desde que quebrou o espelho de seus grilhões e amarras, fala até palavrão, mas tranfigurado, haja visto um cravo ter tocado Bach e floreando-o o perfumou e coloriu com as cores de sua infância cheia de margaridas, que despetaladas diziam que ela não era amada, antes seria tráida, como todos.

Alice encontra em Valéria não seu alter mas o próprio ego e um cavalo puro sangue. Monta-o nua em pêlo e cavalga as palavras escritas nas fitinhas do baú para, qual quebra-cabeças, juntá-las e com elas contar sua e a alheia história de forma heterodoxa. Sincopada! a ponto de, à medida que avançamos na leitura-degustação-psicanálise, sentirmos o coração querer parar ou pular pela garganta o que nos abstrai o ar e nos provoca tremores e suores na testa, no peito, no baixo-ventre. Não é um diário e tampouco livro de poesias. Não é de crônicas, ou contos, e muito menos um romance. É tudo isso e mais alguma coisa, já que Valéria desestrutura e desconstrói as formas e os estilos, as correntes e as vertentes, com competência, desenvoltura e lúdica criatividade. Sim, ela brinca e nos convida, não, nos envolve e arrasta para a brincadeira. Claro, depois do pandemônio passado e da contabilidade dos destroços concluída (?). Ainda ecoam os úivos e os miados, seja do cio, seja da dor e da angústia de quem se sente sufocado, nos telhados das casas de Valerialice. Que lambe, sim, as feridas, com a ponta da língua afiada e em chamas, e nos marca definitivamente, celebrando o casamento dos anjos com os demônios carregando buquês de margaridas apocalípticas.

Entretanto, há o substrato de uma história, com todos os ingredientes do drama humano, que ela quer nos contar, e conta, em fragmentos e com extrema economia, - "in reductio plutus" - como se ansiasse pela interação do leitor, deixando-lhe a tarefa prazerosa de preencher os interstícios e completar a compartilhada emoção, ampliando ou aprofundando-os, adaptando-os e com eles cobrindo seu esqueleto e plasmando seu próprio eu, assim sendo conjuntamente um criador e cúmplice no usufruto. Tem-se por momentos a sensação de que as folhas que guardou na gaveta por décadas, pensando que iriam murchar, embolorar, amarelar ou ressecar, acabaram germinando e se tranformando em uma enfiada de, não pérolas como as que "Rimbaud esporrava", mas como diamantes, que Alice pariu, lápidando-os com seus líquidos e os lábios molhados, em doadora entrega e exímia maestria, a mesma que faz o bons vinhos. E é assim que devem ser aspirados, sorvidos e saboreados o aroma e o pólen, o néctar do buquê de Valéria. Como uma poiéssis que se resolve na cathárissis e culmina na função libertadora da ésthessis!

Já disse, Valéria vale, é valiosa, "valerosa" e valorosa, e valerá! Alice, apaziguada e livre da esquizóide tortura, já pode apear e "subir". Terá aqui na terra quem dela e de todas as Alices cuide com destemor e bom humor. A pergunta da mãe "Quando é que você vai crescer, Alice?" já está respondida, e em uníssono, por cientes e ciosos (porque no cio!) lobos: "NUNCA! Para quê, para carregar buquês?!"

A seguir pequena amostra do fulgurante poder da miss em cena e do que ela nos ensina:

?

Na floresta

do sonho solto

tranças de alho

não espantam o desejo

do lobo mau

:

sob lençol de florezinhas

a carne rosada

transpira perfume

que a/trai: o lobo

come a menina

Ela não dá

um

ai

!


Segundo as testemunhas - ela nada lembra - ele algemou seu dedo anular esquerdo, enquanto selava o sim com beijo de mármore. É daquela nobre pedra a boca-lápide rosada que orna os jardins da casa materna:
CARTAS MARCADAS

#Dama de Cópulas

Sempre deixa o rei de pau duro

Abre com ais as pernas do jogo

Como sempre blefa, não goza

(o idota nem nota)

E perde: ganha a porra do rei

##Dama de Paus

Sempre atrás do passos do desejo do rei

- Bundona!

Ora cheia de merda ora cheia de porra

Rio de Janeiro 2001.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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