"Impressões Urbanas" by Taumaturgo Ferreira

Taumaturgo milagreiro!

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Analisando o pleonasmo do título: fôssemos nós (e o plural aqui não constitui distintivo de elementos reais e cardeais, mas, muito antes pelo contrário, possui função solvente do egótico "eu") místicos (va-te retro, anátema!) e diríamos que não se carrega um nome de pia desses impunemente. A primeira parte do binômio vem do "thauma" grego e significa milagre; a segunda, urgo, também do grego, corruptela do ergo, vem a ser - esforço, obra, criação. Tauma e urgo juntos portanto delineiam o fazedor de milagres, milagreiro, finalmente. Os pais do Taumaturgo, ao assim o batizarem, certamente, sabiam, e muito bem, o que faziam. Terá ele já no ato de nascer "cometido" um milagre? Certo é que dia mais dia menos ele iria aprontar algum. E de fato aprontou - estão aí as pinturas dele, autênticas obras de arte, perfeitas e acabadas, sem pôr nem tirar.

Há, entretanto, outra conjunção mística a considerar - Taumaturgo, o ator, interpreta na novela global "Celebridade" um personagem imaginativo, porém, sonhador em exagero, pleno de projetos mirabolantes e sentindo-se apto e pronto para "acontecer", tornando-se assim uma arrasadora celebridade. Taumaturgo, pessoa, não esperou sentado, nem se deixou enredar pelo emaranhado dos devaneios, pelo vazio do suposto futuro brilhante; ele foi à luta dos seus anseios mais íntimos e imediatos e movido pela urgência da sobrevivência intelectual, em meio à aridez da pouca criatividade e demasiada falácia, provocou os acontecimentos e, devotando-se à arte, os tornou realidade, conferindo-lhes exaustiva expressão e forma, antecipando desse modo a ficção.

De fato, na noite de inauguração da sua exposição, na Haus Galeria, ele já era uma consumada celebridade, chegando mesmo por minutos a ofuscar a big-celebrity e big-boss Malu Mader que por lá seu brilho transitou. Mas afinal o que é uma celebridade? Celebridade parece ser alguém que já tem o sorriso e o ângulo fotogênico armados e o script das respostas na ponta da língua, de cor e salteado, como se costumava dizer na ultrapassada propedéusis pedagógica. Quero com isso dizer que Taumaturgo podia até ser celebridade para alguns desavisados convidados, para os flashes, para as filmadoras, para o enxame de inconvenientes repórteres(inhas) que se acotovelavam agressiva e secretamente para conseguir o furo. Furo n'água, porque Taumaturgo não estava nem aí; de si para si, ele não era nem se considerava uma celebridade. Pelo contrário, todo humilde, todo simples, todo jeitoso, sinceramente amável e afetuoso, amoroso mesmo, com quem quer que fosse, sem distinção disto e daquilo. Um verdadeiro artista, portanto! Querendo mais aprender do que arrotar autoridade, em arte ou em conhecimento. Mais um aprendiz do que um sábio terminal.

É até engraçado, mas ele em absoluto corresponde àquela imagem estereotipada do paulista - sério, mal-humorado, apressado, contabilizado, estressado. Parece mais é carioca - cheio de malemolência, de inventividade, de genuíno charme e estado de espírito "Locki". Seu approach físico é de ginga e seu andar mais nos lembra um felino de médio porte, eventualmente domesticado e doméstico; diria até que ele não anda, ele acaricia com os agílimos pés o chão que pisa e, mais, flutua; seus movimentos e sua expressão corporal escrevem, desenham, ao modo de um pantógrafo, uma refinada geometria - matriz e geratriz primeira de toda elegância. Celebridade é isso.

Na verdade verdadeira, porém, Taumaturgo não é nem carioca nem paulista, já que isso tudo são generalizações e clichês. Taumaturgo é mais para "matuto" universal, um Januário (da Megera shakespeariana e de O Cravo e a Rosa). Um campônio que, de tanto olhar pra baixo, pra terra e seus elementos de cultivo, e tanto elevar a vista pro céu, a perscrutar e conclamar os benfazejos sol e chuva, acabou adquirindo uma sapiência e um conhecimento de tudo quando existe entre as estrelas e a Gaia Mater; sabedoria essa que se traduz em ascética simplicidade, em estóica paciência, em cândida inocência - atributos que, ao contrário do ironizado bobo, lhe granjearam a extrema sensibilidade, a exata percepção e as múltiplas e variadas manhas da humana natureza.

Insisto tanto, e ainda assim muito pouco, em "pintar" a pessoa de Taumaturgo porque é impossível dissociar o artista da obra. Tal qual o mais contumaz e furioso gestual e o meditativo calígrafo oriental, ele não vai oco para a criação - congrega tudo que é dele: a memória afetiva, o meio ambiente, os sonhos, as fantasias e, também, as frustrações, os pesadelos das infâncias e do doloroso crescer e amadurecer. (E quando a gente amadurece pra valer, tudo que nos resta é murchar, decair, ressecar e se desintegrar. Mas, e aí entra o artista, a obra permanece! E serve de guia de gnosis para os vindouros. A do Taumaturgo, desde já e com tão pouco tempo, já garantiu seu lugar de marco na paisagem).

Cada um sabe onde dói. Não possuindo, porém, a dor, parâmetros, ao contrário da esquemática febre, também não se presta a desenhos e gráficos nem contornos passíveis de definição. Isso, para explicitar que Taumaturgo é um desses geniais artistas que não precisam desenhar para pintar - ele pinta e no que pinta desenha; pinta de modo devastador, obsessivo e compulsivo, qual um van Gogh, cujos trigais encontram contraponto nas megalópoles de Taumaturgo que traz um sopro renovado ao mundo das artes nativas, reconduzindo-as ao seu leito natural de onde nunca deviam ter sido arrancadas, atirando-nos ao devorador colo da certa incerteza. E com que vigor ele pinta, com que audácia, com que ousadia! Com que fervor e incontrolada doação!

Não sendo, portanto, Taumaturgo um pintor cerebral, é todo entrega e emoção. Pinta o que dói, pinta o que o cerca, pinta o que o seduz e o aflige - a "gigantópole" {(o neologismo é privativo ;-)} que qual casulo nos envolve, nos engloba, nos tritura, nos mói e nos fagocita. Sua temática é o amalgama do emaranhado mar de pessoas e automóveis, prédios em escala monumental, que, fazendo jus à designação "arranha-céus", invadem a esfera celeste, a agridem, dela se apoderam e a ela se integram numa forçada e aparentemente inevitável fusão. E para nos comunicar a exata medida dessa transfiguração, Taumaturgo recorre a pinceladas velozes e violentas, acordes com os tempos e absolutamente livres. Por meio da deformação plástica, ele lhes confere movimento e dinâmica, sentimento de compaixão.

Não são construções arquitetônicas, são visões implacavelmente futuristas, que nos confrontam, como se amontoados de caixas de concreto fossem, abstraídas e reduzidas a manchas cromáticas, alicerçadas sem intervalos para respiração - quase monoblocos, totens de terrífica e inquietante presença, permeados por apertados corredores - vias de roedores a que nos vemos transformados a cada dia. Estamos falando das ruas que, subitamente, ora são caudalosos rios de sangue (venoso!), ora cunhas fincadas na putrefata carne da cidade. Tudo e todos se orientam para uma perspectiva, cujo limite é o horizonte - as fronteiras da polis sem-saída, que, fundidos ao céu reclinado, reinstalam o misterioso fenômeno de babilônica balbúrdia. As cidades de Taumaturgo são fantasmagóricas, para o bem e para o mal.

A par com essas formas de impacto cartunístico, há as personalizadas cores de Taumaturgo - todas de uma felicidade ímpar: são tonalidades vivazes e vibrantes, acrílicas e fosforescentes, de vermelhos, verdes, azuis, que se alternam nas sutis funções semânticas e geradoras de etéreas auras que nos remetem ao pulsar diuturno, frenético, dos giga-aglomerados, seja na fruição dos efêmeros prazeres, seja na sujeição às angústias, aos dramas, às tragédias. Credite-se à pintura de Taumaturgo essa qualidade, proprietária exclusiva da arte, que é a de, ainda assim, não nos deprimir e desanimar, desencantar. Pelo contrário, ele consegue nos seduzir e inundar com comovente emoção, insuflando-nos um delicado senso de beleza, revelando que, apesar e por causa, há esperança, há vida, e esta prevalecerá. E nesse sentido, podemos afirmar que não é um artista apocalíptico, simbolista da queda homem e de seu irmão Lúcifer.

Amorosamente, Taumaturgo nos conduz, nos mostra que onde há cor, há ésthesis, há thauma e há ergon! Você não crê ou não entende isso? Pois retire a cor do mundo e veja o que do mundo restará - a escuridão dos Tártaros, o silencioso terror do Nada. Mas há outras designações mais confortadoras para isso - Nirvana, a paz do ser não sendo, livre para planar como os pássaros sobre os lírios, os louros, os stéfanos com que esse outro Tágis nos inspira com sua voz e suas cores - tudo pertencente ao campo onírico.

Taumaturgo, mais do que milagreiro, passa agora a significar calorosa e alentadora proximidade com a arte preconizada na origem dos tempos.

Fotos: Antonio Caetano

Rio de Janeiro 2003.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > E-mail


Galeria:

Red Hot City / ast / 100x150cm / 2000



Moving City - detalhe / ast / 2003



Rose and Rose - detalhe / ast / 2003



De Galaxie nos Jardins / ast / 100x130cm / 2000



E aí Dufy? / ast / 80x140cm / 2000



Sem título / ast / 300x200cm / 2003


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©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
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