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"Laowai", de Sônia Bridi / Fotos de Paulo Zero / Editora Letras Brasileiras
Abraçando a China

Todo jornalista é escritor frustrado? Retire o "frustrado" e terá acertado. O mais é falácia calcada na recalcada tradição anglo-saxã, que faz da fria objetividade o primado da profissão (não será missão?) em detrimento da natural emoção. Intolerável hipocrisia, já que a vida não é nem parece ser vazia de sentimento, e tampouco nós, humanos, dela somos carentes ou destituídos. Máquinas?! Robôs?! Ainda mais vivendo no Brasil, país movido a irrefreável paixão (coisa do Cão, mas, quem sem ela vive, vive em vão). Nem sempre foi assim. Há alguns anos, me chamou a atenção o fato de os repórteres da Globo, quebrando o nórdico paradigma, passarem a reportar, cada vez mais, com cada vez mais altas doses de literatura - na inflexão fônica, na poética vocabular, no ancorado teor. Daí para os livros, que muitos vêm publicando regularmente, tem sido suave, necessária e inequívoca transição. Instinto, emoção, mente - eis o pétreo trinômio que nos rege.

Com o Laowai de Sônia na mão, recebido das mãos de Chuchi, a comunicadora da Editora Letras Brasileiras, não me contive: "Mas o que é isso?!" exclamei. "Pensei tratar-se de uma dúzia de crônicas light. E o que aqui vejo e sinto (e como se avaliando balancei o volume repetidas vezes) é um catatau de folhas, um livro de peso! (Depois, constataria que o era não só no sentido real, mas também e principalmente no metafórico, significativo). Sem falar no formato, tipo, 'king size' e no impecável acabamento gráfico e editorial, na afirmativa capa - uma longilínea e sorridente Sônia, tal qual feliz infante laowai, içando uma pandorga de colorida máscara, dragão, tubarão, pássaro, avião ou o que quer que seja, na Praça da Paz Celestial, nos mesmos céus agora sem véus da Cidade Proibida. Foto de Paulo Zero, na realidade, Paulo 10, cum laude! Mas não parou aí a minha admiração: E o que é isto aqui agora? Além do imponente "dragão" da pandorga ostensivamente pairando, voando, imperando defronte do palácio do imperador, há um outro dragão; este, sutil, oculto, de prateado decalque, só visível inclinando o maciço "tijolão" de livro em determinado raio e ângulo. Uma preciosidade digna de outra preciosidade!

Na abertura e na "fechadura" do texto, Sônia cita, melhor, conjura Twain e Göthe - aquele, dizendo do poder libertário do necessário viajar; este, do seu poder transformador da psique. Brincando com esta penúltima palavra, direi então que ele transforma a dor em amor. Mas agora, falando sério, categorizarei que, com seu livro, Sônia, depois de totemizar e sacralizá-los, os desmente a ambos. E por quê?! Porque ela, simples e admiravelmente, nos prova por a+b+c (c de cinema) que viajar não é preciso para conhecer a China - basta ler o seu livro e... ver o filme. Mas que filme se o livro acaba de ser publicado?! O filme que, para você ver, não precisa ir ao cinema - basta ir lendo o livro e, à exata mesma medida da leitura avançando, vendo seus fotogramas se projetando e desenrolando no sentido inverso do seu olhar leitor - em sua excitada retina. E daí, feitas as devidas sinapses, em sua mente/coração.

Mas... do que é que afinal fala a Sônia nessas 335 páginas belamente albumadas por uma quase centena de fotos de Paulo, que, por outra, funcionam como um making of do livro-"filme"? Não sendo possível falar tudo de tudo, ela fala um pouco de tudo - do atraso e do progresso, da política e da economia, da liberdade e da censura, da tão brasileira corrupção, da arte e da cultura, da indústria e do comércio, do amor e do casamento e dos filhos, da educação e da saúde da tradicional medicina chinesa, da exótica culinária, da escatologia e da mixologia - sendo que nestas duas últimas ela não omite nem mesmo os procedimentos nos acanhados e fétidos banheiros e as cotidianas escarradas, cuspidas, arrotos, puns e tudo o mais desse adorável milenar povo que na maior sem-cerimônia libera e expele, não importando a hora e o lugar, tudo que o organismo naturalmente rejeita. Mas que a nós, ocidentais, enoja e repugna.

Para narrar e nos passar uma abrangente idéia disso tudo, Sônia edita o filme de suas diárias memórias (ora afetivas ora negativas) de dois anos de duração, na China, pinça uns 40 fragmentos significativos do lá vivido e, de modo vívido, constrói uma catedral e um pagode, tece o tecido, trama a trama e emenda os pedaços da colcha-de-retalhos representativos do "dragão" chinês e, para melhor situar, com rápidas incursões, também dos seus vizinhos, os em algum momento alcunhados "tigres" (de papel - vide pandorga) asiáticos, inclusive a hors concours, sempre tumultuada e sempre serena, estóica, Índia. Não podendo, Sônia, se estender ao largo - enciclopédica tarefa -, mergulha em saborosas minúcias e ora critica e se irrita e xinga e ora se encanta e se deixa seduzir e eulogiza. E com ela vamos também nós, ora sendo sufocados pela raiva e pela decepção (onde, a tal sabedoria chinesa?) e ora subjugados e arrastados pela emoção, a ponto de aqui e ali sentirmos nó na garganta e, sim, também algumas lágrimas. Tal a fascinante delicadeza do relato no trato do que é humano e é chinês.

Tudo somado e multiplicado, posso dizer que Sônia catou os caquinhos e juntou os trapinhos, os transfigurou e com eles configurou um romance realista, concreto, uma bela história de amor, feita, como toda história de amor, de atrações e repulsas. Ela desbravou a China e, como todo desbravador, por ela se apaixonou, sendo a recíproca igualmente verdadeira - os chineses se apaixonando por aquela laowai, mutante em todo caso, a um tempo angelical e endemoniada - tão insistente e persistente e ousada e atrevida, lutando por seus universais direitos e ideais e exigindo respeito por eles. Aprendeu e apreendeu e assimilou muito da alma daquele sofrido povo e ensinou-lhe algo minimalista, singelo e elementar - o tato e o contato, o afeto do aperto de mão e o abraço. O quê, mais movente e comovente, humano?!

Se, Leitor, ao terminar a leitura (a contragosto, diga-se), você ficar com a sensação, como eu, me desmentindo, fiquei, de que não bastou ler o livro e "ver o filme", não resista ao impulso de na primeira oportunidade viajar para a China e seguir as pegadas e os rastros que Sônia, qual Maria do João, lá deixou, como aviso aos... viajantes, para ir e volver. Não haverá arrependimento! Só alegria e prazer. Prazer em conhecer a Sônia que, tenho certeza, voltou, mas ainda segue Sônia que sonha com a China, que a marcou indelevelmente - não disse Göthe?! Sim, foram tempos heróicos aqueles!

Mas faça isso, Leitor, antes que a galopante globalização pasteurize a China e a torne incolora, inodora, insípida e insonora, como esses países ditos de primeiro mundo. E, creia, não vai aí nenhuma alusão maliciosa aos "exóticos", ainda que naturalistas, hábitos daquele super-populoso povo (que se faz presente em cada grupo de 4 integrantes, de qualquer dos quadrantes deste perneta planeta).

Ave, Sônia, ImperatriX da China!

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email

Rio de Janeiro 2008

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©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
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