"O Fio da Navalha" de W. Somerset Maugham / Editora Globo
Somerset Maugham no Afiado Fio da Navalha

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

O melhor amigo do homem não é, como se pensava, o cão, mas o livro! E livro que nem esse, O Fio da Navalha, é mais que amigo de toda hora, é amigão. A tal ponto que, ao me aproximar do final da releitura, da reedição que a Editora Globo acaba de lançar, 45 anos depois, desandei a chorar - de raiva por ela estar acabando e de emoção como na despedida de um amigo do peito. Foram horas e mais horas de deleite na companhia de um homem que sabe construir e contar uma história com competência e maestria, como se incorporado em cada um e em todos os personagens que povoam e animam nosso imaginário. Sensível e atento, minucioso mesmo, nada escapa ao escritor, nenhum gesto, por menor que seja, nenhum piscar de olhas, por mais imperceptível, nenhum pensamento ou emoção, por mais oculto ou difarçado, nenhuma brisa nas folhas.

Não é um livro do tipo "do-it-yourself", de auto-ajuda ou esotérico a nos prometer salvação, riqueza ou cura milagrosa. É "apenas" romance, embora não termine em morte ou casamento, como o próprio Maugham, que é autor e pesonagem, brinca, em seu sentido mais cabal. O que nos oferece é o prazer calmo e sereno da leitura ainda que por sobre o fio da navalha por onde transitam os seres humanos - no livro e na vida. Tudo num tempo em que ainda havia tempo que podia ser medido no relógio e não nos bits eletrônicos de hoje. As gerações atuais só terão a lucrar com a arte do bem-escrever sobre um mundo agonizante.

Maugham confronta o novo com o velho mundo - aquele, vigoroso e sedento de poder e de riqueza, ainda que à moda caubói; este, refinado e culto, com suas classes sociais estanques que a Revolução Francesa não conseguiu debelar, mas então à beira do colapso e da decadência, e ambos com o misterioso e místico Oriente, distante e no entanto muito próximo - na verdade dentro de nós, sequioso por paz e liberdade.

Está certo que a maior parte do mundo que ele desenha é o do "beautifull people" e do "jet-set" mas não para glorificá-la mas para lhe revelar e expor as mesquinharias e fraquezas, a futilidade e a insensibilidade diante do drama do "hoi polloi", a massa popular, ainda que ao final lhe dedique carinho e afeto, compaixão e pena, como todo criador tem ou deve ter por suas criaturas. Para Maugham, apesar das aparências, o mundo não é dividido entre ricos e pobres e nem necessariamente os ricos são maus e os pobres bonzinhos. São todos de carne e osso, têm suas grandezas e suas baixezas, vomitam, urinam e defecam. A crítica internacional de então, porém, não entendeu o espírito da coisa e torceu o nariz para os seus escritos. Alegava que em um tempo e lugar de guerras mundiais, morticínio, fome e convulsões sociais, escrever sobre outra coisa que não o comprometimento político e social, humanista, parecia infâmia. Não para o público leitor mundial e particularmente inglês que só o deixou atrás de Shakespeare. Nem para os jovens do pós-guerra que, desiludidos com o sistema, com ele aprenderam os "novos" caminhos das Índias e de Katmandu, assim como com seu idolatrado Aldous Huxley embarcaram na viagem psicodélica ao interior do ego e do id arrombando as portas da percepção.

A busca de Maugham em Fio de Navalha é representada pelo personagem central, Laurence Darrel (a semelhança com Lawrence Durrel tem tudo para ser homenagem ao perene e inesquecível autor de "O Quarteto de Alexandria" e não mera coincidência!), ou Larry, o jovem americano que traumatizado pela presença da morte do melhor amigo que lhe salvou a vida em um combate aéreo durante a primeira guerra, na Europa, volta para a América, rompe o noivado, recusa o emprego invejável, rejeita a escola formal e sai por aí para "vadiar" atrás do Absoluto, do sentido do Mal, da Libertação dos conceitos da vida e morte, de ... nem ele sabe direito de quê. Frequenta bibliotecas, se enclausura em mosteiros, trabalha em minas de carvão e no campo, convive com artistas e prostitutas e acaba na Índia onde, peregrinando de ashrama em ashrama, alcança a Iluminação na companhia dos santos homens ioguis. Dez anos depois volta para casa, doa sua pequena fortuna e faz da ajuda ao próximo o objetivo de sua vida. Visionário, ingênuo ou inocente útil? Um idiota? É ler para crer! Prazer não faltará.

Rio de Janeiro - 2001


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