"A arte secreta do desejo" de Simone Ostrowski / Editora Revan
Artes e Manhas de Simone Ostrowski

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

"Todo amor digno do nome é platônico" - Kandinky.

Para nos revelar essa arte do desejo, Ostrowski se serve do romance entre Goya e Kandinskij, sintomaticamente homônimos de dois afamados e aclamados gênios que, embora de séculos diferentes, em comum têm o estigma e a desgraça de terem sido considerados pelos poderes de seus tempos - um espiritual e outro temporal - de certo modo malditos: Francisco de Goya quase ardeu nas fogueiras do Santo Ofício por causa de sua "Maya desnuda" (que ele, ardiloso como Kandinsky, a personagem, acabou repintando vestida e muito mais sensual que a original); e Wassilij Kandinskij que também por pouco não foi mandado para os arquipélagos Gulags dos confins da Sibéria por conta das abstrações (depois revisionadas e, em dado momento, até renegadas), quando estas caíram em desgraça e foram proscritas pela cartilha bolchevique em favor do Realismo Socialista.

Na estória de Ostrowski, Kandinsky é uma jovem historiadora da arte que, paradoxalmente, a um tempo deseja permanecer no alto e também ir fundo, "aí a ironia não desce", e Goya é um pintor de meia idade envenenado pela luxúria e vencido pelo tédio (desesperadamente fugir) e que passou a vida pensando em arte e mulheres - um perfeito e acabado esteta do descartável. O curioso é que o romance entre eles, diferentemente da tradição, é quase que totalmente esotérico - não no sentido de místico mas de interior, psicológico, já que praticamente inexiste o drama em sua acepção original de ação, salvo em movimentações minimalistas e sempre em função dos ensaios de que se compõe o emaranhado de sua trama. O que há é um duelo representado por um refinado e elegante pas-de-deux intelectual e artístico travado com as armas das idéias, das reflexões e das citações sobre quase tudo que tange a alma do ser humano em seu caminho em direção à plenitude - arte, sedução, desejo, estética, ética, areté, graça, perfeição, justiça, verdade, filosofia ... amor, já que, no dizer do outro, na ausência deste, todo o demais perde significado e significação. O intuito de Kandinsky, cândida e assustadoramente demolidora, ora Pã ora dríade, é "mostrar a um homem o que ele é na verdade e o que é a vida". Ou seja, re-significá-lo, a ele e a sua concepção de vida. Para isso Ostrowski põe-lhe na boca palavras contundentes e ardentes, flechadas certeiras. Tudo para ele não mais recusar a Perfeição e a Graça - espera-se que não místicas mas amorosas e artísticas, humanas. O caçador termina caça à mercê de Ártemis - a intocável. Seria oportuno e proveitoso para a pacificação universal saber se a recíproca também é verdadeira - se é dado também ao homem mostrar a uma mulher o que ela é na verdade e o que é a vida. E mais - se os medievais sabiam cada mulher trazer dentro de si um homem, a ponto de não mais serem necessárias nem recomendáveis armas secretas ou ocultas.

Há apenas um pequeno porém mas que por sua adjetivação não chega a comprometer o mérito geral do livro como paradigma de forma e conteúdo inalienavelmente acordes: Ostrowski nos conduz por muitos capítulos, e com a respiração presa, por sobre o fio da navalha, tal seu poder e seu controle sobre nós. Uma sedução subliminar. E isso por a narrativa ser atemporal e utópica - não se situar (a não ser por referências secundárias não determinantes) no espaço-tempo vulgar, o que lhe confere esse caráter de rara beleza e enlevo, a tal ressonância ou imperativo universal. Pouco antes do fascinante final, entretanto, ela abandona os símbolos e as metáforas e nos atira em queda livre para o abismo, rompendo o recorrente encanto e instalando um forçoso hiato. Tudo porque a escritora insere alguns capítulos que mais parecem corpos estranhos ao tecido - aparentemente uma concessão à emoção localizada, mas despropositada, de homenagear certas pessoas e certos lugares, e até religiões e demais práticas mistificadoras, recorrendo mesmo à oniromancia primária e a uma suposta credulidade de Sócrates (o que por si só constitui um miasma) - crendices e fetiches caros a ela, mas inoperantes e contraproducentes, ainda que sob a sedutora máscara do apofaticismo. Escorregadia, ela escorrega nomeando-os e glorificando-os, e assim estranhamente tornando terreno, nacional e regional, por subjetivo, o que parecia pertencer à esfera celestial das idéias mestras de Platão. Resultado, parte-se por momentos o fio da Ariadne e instala-se a sensação de obscurantismo e perdição, de sorrateira subtração do prometido segredo e da consequente arte do desejo, mas que felizmente dura pouco. Logo Ostrowski puxa os fios certos e levanta vôo outra vez levando-nos sobre suas asas invisíveis em direção ao que ainda há por descobrir. Pura poesia.

Rio de Janeiro 2001.

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