'MANEIRISMO 2', de Sérgio Ferro.
"Este é pior momento na vida de um artista!"

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Io_e_Jupiter Admirador incondicional de Sérgio Ferro, não o conhecia pessoalmente, nem tinha idéia alguma de sua aparência. Ao chegar à galeria, na noite do vernissage, passeei meu olhar procurando "adivinhá-lo", por entre os convidados que, alheios à arte, em grupos, comiam, bebiam e conversavam ruidosa e animadamente. Raros olhavam para as pinturas. Subitamente a figura de um homem estranho e visivelmente perturbado chamou e deteve minha atenção. A impressão que ele me passou foi a de um peixe fora d'água. E o que é que um peixe fora d'água faz? Dá seus últimos espasmos. Será?

O homem parecia ter certa idade, era alto, magro e estava trajando terno e gravata absolutamente formais e impessoais e, embora tivessem cor, ressoavam ácromos. A visão mais se aproximava do estereótipo de um funcionário público aposentado. Em seu ar e em sua fisionomia havia algo de desconfortável e de desolador. Deve ser ele o artista, pensei, me aproximei e arrisquei a abordagem chamando-o pelo nome.

De fato, era o próprio. E então, fiz o óbvio - aquilo que certamente todo mundo faz, que fez ao longo de sua longa e profícua carreira de artista - elogiei efusivamente suas obras e parabenizei-o. Felizmente, Sérgio não se mostrou entediado com o lugar-comum, tantas vezes ouvido e ad nauseam repetido, e agradeceu comovido. E comovido, também eu, apelando para a retórica, perguntei o porquê da Grécia e da sua mitologia estarem permeando a sua iconografia tão obsessivamente.

- Ah, sim, lógico, é porque está tudo lá, a poesia, a filosofia, a civilização inteira e as origens da arte, não nessa meia dúzia de trejeitos que querem nos apresentar como sendo a verdade... - desabafou Sérgio com os olhos cintilando, mas também deixando transparecer um certo amargor, uma tênue desilusão. Instintivamente me senti impelido a ampará-lo e o fiz superlativamente:

- Não se deixe impressionar, Sérgio, são experimentações, tentativas e erros, enganos. Já você é um resistente, um sobrevivente, um guardião do conhecimento, uma ponte e um elo dos tempos. Sua arte nos diz de onde viemos e para onde vamos. Você nos revela o perene; eles, o efêmero sinal.

Sérgio agradeceu novamente as palavras e mergulhou em silêncio profundo. Instantes depois, agitado, como se despertando de algum horrível pesadelo, olhou para as suas vestimentas, fez cara de rejeição, abriu os braços em desespero, talvez sentindo-se "empacotado" e daí ridículo, acenou com a cabeça para a multidão que, indiferente às agonias e às dores do criador, pastava voraz, e epitomou:

- Este é o pior momento na vida de um artista!

Senti arrepios me trespassarem e lembrei das tantas vezes que eu próprio assim tinha me sentido e me expressado - isso nas minhas noites de autógrafos e nas minhas instalações e performances, no passado.

O clima hierático e a solidão exigiam mais solidão. E silêncio! Afinal, o artista não fala por meio da sua arte e esta por ele?!

Sérgio é arquiteto de formação, chegando mesmo a ser, juntamente com Império e Lefèvre, o mentor da "Arquitetura Nova", aqui no Brasil, antes de ser transferir, nos anos 70, para a França, "a três horas e meia de Paris, de trem", perto de Grenoble, onde vive até hoje. Na sua pintura, de inspiração nitidamente renascentista, mas plenamente realizada na modernidade contemporânea, o que nos encanta e causa prazeroso estranhamento é a força de suas imagens aparentemente in-acabadas para uns (convidando para um exercicio intelectrual e artístico de interação?) , e mal-acabadas, para outros, felizmente poucos. O, nesse sentido, não rigoroso, mas em compensação muito vigoroso trato formal, assumidamente maneirista, do corpo e da sua musculatura, de inconteste sensualidade, dança um pas-de-deux com as muito apropriadas intervenções abstratas. Há um incessante e fecundo diálogo que deságua em amor. Uma coisa assim tremendamente sacerdotal!

Colagens, grafites e grafismos espontâneos, como se pelo pincel de um raio, sobrecargas de tinta ou intrigante e instigante ausência delas, partição e retaliação de corpos e de seus acidentes anatômicos - tudo nos dá o tom das partes conspirando para um conjunto harmonioso, o "in pluribus unum" de uma poética personalizada e atemporal, já que se configura em elo da construção do conhecimento, dos problemas que a toda hora a arte pictórica submete a seus devotos (a tal ponto que cada pintura de Ferro é como se fosse "o atelier do artista", metapictórica, portanto). Sérgio Ferro é um dos mais diletos que, tal qual sua obra, ficará como testemunha da arte e da civilização que ele tanto preza e segundo a sua cartilha reza para os deuses do Olimpo!

Rio de Janeiro 2004

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