Pietrina Checcacci - a criação hoje
Samba de uma nota só (mas com quantas variações!!)

Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Ardendo em febre de gripe, eu decidira não ir ao vernis de Pietrina. Mas o sedutor convite sobre a cabeceira exibindo a odisseo/sirénica obra "Asas do Desejo" me desafiava: Binômio explosivo, já que aquelas, dedálico humano sonho secreto, e este, caótico/erótico primeiro motor e, daí, ato puro. Como não houvesse quem me amarrasse ao mastro, me declarei liberto.

Chegando à galeria, antes de entrar, ainda parei, hesitei, profundamente suspirei e de longe repetidamente espiei o que me pareceu ser câmara templo ardente. Sutis inquietações de mim se apoderaram.

Uma vez dentro, subitamente me vi, e senti! livre e solto num campo de sonhos, envolto em etéreo e mítico mundo cor-de-rosa com que tanto, desde pequenos, sonhamos - um teatro mágico. O ar que me acariciava, que eu sofregamente inspirava, e que tanto me inspirava, era cor-de-rosa e, de fato, as muitas e imperceptivelmente vibrantes e, daí, inebriantes telas sugeriam um monocromo roseiral, mas com quantas e quão encantadoras variações tonais! Tanto assim que a sensação que me subjugou e submeteu foi a onírica fantasia de, na verdade, tratar-se mais que de rosas-rosas. Sim, recorrendo à figura do tropos, em catacrese, o rosa repentinamente encontrava-se esvaziado de sentido e a rosa era branca, antes, e manchada de vermelho, depois, como soa acontecer nos lençóis do himeneu. E, na seqüência, também amarela, azul, verde e, sim sim!! negra, repito o já por mim escrito - como a que Novalis sonhou e Coleridge com ela ao colo acordou.

Uma rosa é uma, duas, três vezes rosa, poetou há décadas aquela moça, mas diante daquelas sublimes e a um tempo despudoradas, em sua nua e crua e exibida carnalidade, rosas, aquilo agora soava ingênuo e vão devaneio, inócua e inodora retórica (non olet non dolet). Pietrina inaugurava ali um novo tempo em que uma rosa nunca é (apenas!) uma rosa - uma rosa é o essencial paradigma da consubstanciação do Eros e do Thanatos, do pathos e do pothos, uma revelação e uma revolução (rosy, de cravos, de escravos), uma rosa atômica em Hiroshima e outra rosa anatômica, o resumo do resumo e o sumo do supra-sumo. A que bela floresce e narcóticos aromas exala - rosa/cérebro (no que remete à flor-de-lótus no topo), a rosa/seio, rosa/ventre, rosa/sacra aflorando da oculta caverna de Afrodite - matriz de asas e geratriz de desejos. Como se seu escuro e cálido e úmido íntimo, in germine, a mínima porção de protomatéria contivesse e seu conatus em sua negra e densa densidade aprisionada não se agüentasse e explodisse e, no vácuo universo, urânios esporos esporrasse/semeasse e, em abrasivas e epicíclicas ondas, ad aeternum, expandisse. É aqui que o feliz título da exposição "A criação hoje", certamente não se limita nem esgota na criação artística, mas a transcende e nos inicia na criação da Criação. Não falei em novo tempo?!

Está bem, vamos apear: rosa é singelo botão/segredo, é perfume, é buquê, é comestível em todas as acepções, é portanto alimento, é higiene, é romance, é guerra e paz, é sépalas e pétalas, é um buraco negro. É também espinhos, e os há em profusão nas faturas, mas, diante da postura afirmativa de Pietrina, tendo ela escolhido e nos ofertado o lado luminoso/róseo, o cor-de-rosa da rododactilos Ío, é lícito supor que estes são apenas folhas modificadas, se não por mais, por pragmáticas funções de economia doméstica. Mais que tudo, porém, parece ela sugerir ser a rosa paisagem de aveludada carne. É ameba e é plasma que plasma o corpo.

Modulada, a exposição nos diz de "Ela", de toda ela, no todo não idealizado e nas partes - colo, seio, ventre, coxas e entre-coxas - rósea e rosada bem-dosada rosa em madura maturidade. Mas a exposição também "expõe" a ele, aqui "Estranho" - sim, o que mais poderia ser esse tresloucado e alucinado e perplexo e boquiaberto ser que a olha e a deseja e come e devora com os olhos?! E o mais dramático! - o que ele tem na cabeça, senão rosa, rosa, rosa?! Não dele, mas dela. E a ela que ele, com seu rijo e liso e púrpuro êmbolo quer agora perfurar, violar, percorrer-lhe os labirintos e pô-la em combustão. E ainda há os complementares complementos - rosas/vulvas avulsas, ou em enlace com fálicos estames espinhentos, que em sensualíssimas e tácteis circunvoluções escrevem curvas, arcos, parábolas, elipses, hipérboles. E ofidiamente volteiam, se entrelaçam, interpenetram, entredevoram, complementam. Em todas as línguas léxicas e por todos os mastros, esotéricos e exotéricos poros e passagens para os Campos Elíseos. Não é que também há impactantes rosas alienígenas?!

- Quem tem medo do belo? - pretende Pietrina oportunamente debater.
- Quem não tem medo do belo?! - me antecipo no hipotético aparte e não tergiverso, categórico e enfático, afirmo: Não há quem medo não tenha do belo. Sim, todos nós e cada um de nós temos medo. Muito medo. Mas espere! Não esse medo que assusta e apavora e põe pra correr, e sim aquele outro que fascina e paralisa e amolece e faz tremerem os membros. As juntas, bambas. Aquele que por um lado nos aterroriza e por outro irresistivelmente atrai e seduz, promete mundos e fundos, a felicidade, os céus. Mas que por vezes resulta em perdição narcisa (não importa, estamos sempre e prazerosamente dispostos a nos imolar no altar do Belo). Eros anikate machan = Eros invencível na batalha - é assim que começa Antigóni de Sofoclís, sem precisar explicitar ser Eros = Belo.

- Pietrina, você deve estar ardendo em chamas - afogueado, digo ao final da peregrinação pelos territórios da beleza da Pietrina.
- Estou ardendo, sim, olha só aqui - sussura Pietrina, bem-humorada e sorridente, e pôe a mão no peito revestido de verde: "São sépalas contendo o continente da rosa do mundo", pensei.

Estes, Leitor, os superlativos poderes da arte de Pietrina que, para tópicos tão viscerais e candentes, tão ardentemente pertinentes à vida, abriu as asas do desejo do belo, voou em direção ao etéreo e de lá nos trouxe sedutoras e delicadas ferramentas para com elas nos dar um banho de beleza de água-de-cheiro de essências-de-rosas.

Foto: divulgação.

Rio de Janeiro, março, 2007.

Alexandros Papadopoulos Evremidis = > escritor crítico > Email


Para adquirir obras de arte, basta enviar Email - será encaminhado ao próprio artista ou ao seu galerista/marchand.

Artista, Escritor e +: ASSINE o RIOART e mostre suas criações aos qualificados leitores do Jornal e da Newsletter/InformArt enviada p/ jornalistas, galeristas, marchands, colecionadores, arquitetos, decoradores, críticos, editores, livreiros, leitores, produtores culturais, aficionados e afins: Email + 21 2275-8563 + 9208-6225


©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
Retornar ao Portal