| Paulagabriela | Espaços Entre |
Entramos pelo cano Pelicano

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

A ambigüidade, atributo essencial da arte, ao contrário do que seus detratores afirmam, não tem função de artifício para nos confundir, enganar, iludir, ludibriar, entorpecer. Antes, a vontade, a intenção e o propósito intrínsecos, que a imbuem e habitam, são dialéticas e pretendem nos intrigar e estimular, propor o exercício do contraditório, nos fazer ver que há, sempre, no mínimo, duas opções e possibilidades, saídas e entradas (como as da Paulagabriela), duas verdades e muitas mentiras, a absoluta veracidade da recíproca.

"Espaços entre", diz a artista no título e por instantes ficamos sem saber se é um imperativo - ordem ou convite para, supondo estarem os espaços vazios, neles entrarmos e deles tomarmos posse e, como os sem-terra agem e fazem, ocupá-los e cultivá-los, plantar e colher para sobreviver - a humana destinação. Ou, estando eles ocupados, desalojar-lhes os atuais inquilinos (proprietários, por impróprio, prejudicado), mortos ou vivos, já que, ecoa Archimedes, dois corpos à mesma hora e no mesmo lugar "non datur". Há, entretanto, um tertium - quem sabe, com eles ensaiar uma possível (será isso plausível?) simbiose - tal qual Paulagabriela a vivencia. A pergunta é: resultaria isso em teratogenia? Em um datado banho de sangue de feição catártica?

"Espaços entre", diz a menina com viés adverbial e temos incontinenti a percepção tratar-se de intervalos e interstícios. Espaços entre as pernas e espaços entre os braços, espaços entre os homens e as mulheres, entre os animais humanos e animais animais, espaço entre razão e emoção. Entre os poderosos e os desprotegidos. Sim, é sabido o mundo ser descontínuo e não apenas no gritante macroscópico - na absurda obviedade dos corpos celestes a anos-luz afastados uns dos outros, mas também no micro - entre os neurônios e entre uma célula e sua vizinha; o que dizer das astronômicas distâncias que separam os prótons dos elétrons - estes, plenos de vazios e cheios de incerteza quanto à velocidade e ao topos de sua epifania?

E o que não dizer dos seres humanos e de seus corpos que, por mais que se interpenetrem e desesperadamente copulem por todos os orifícios e ejetem lambuzantes humores, os mais diversos e, por vezes, abjetos, permanecem terrivelmente sós e solitários, encapsulados por intensas camadas de gélido frio?! Na verdade, mais que o frio, o que me causou arrepio, não no pêlo da pele, mas no núcleo da medula, e ainda assim de modo extemporaneamente erótico, ao observar as fotografias da Paulagabriela, consubstanciada em dois volumes, foi a apavorante desolação de sua glacial atmosfera. Isolados em seus tubos de ensaio e casulos de hibernação, que evocam ressonâncias magnéticas e tomografias computadorizadas, andaimes de urânios apocalipses, deitados, em pé, ou suspensos, os dois sólidos mais pareciam bólidos congelados no tempo, embalsamados e mumificados, insólitos, jazendo no silêncio do tempo, sem a menor possibilidade de comunicação - Bergman diria (e aos gritos e sussurros, do irremediável "espaço entre" mim e você).

No chão, na forma de um aséptico penetrável concreto, jazia um pólipo gigante, configurado com ciclicamente vazados tetrágonos de vidro transparente, cujos braços e pernas eram penetrados por luz, como a indicar o caminho aos vermes que iriam decompor as fartas carnes. Penetrássemos também nós por qualquer um dos orifícios de suas extremidades e, gemendo e uivando de dor e de prazer, nos arrastássemos por seu interior, chegaríamos, devidamente ensangüentados, porém apaziguados, ao seu centro - uma cristalina vagina, aberta e iluminada, olhando para o céu, pronta para nos dar um novo nascimento - um re/nascimento. E para quê? Para tudo se acabar, de novo e de novo, numa triste e tediosa quarta-feira cinzenta, com as lágrimas correndo e a maquiagem escorrendo, o coração partido em milxmil estilhaços perfurocortantes. Tais as crueldades do que chamamos de Homo Sapiens Sapiens, Filho Dileto da Mãe Natureza. Bastardo não seria melhor e Madrasta não soaria mais apropriado?

Enquadre e retrate a bela moça debruçada na janela. O nome dela é Paulagabriela. Guarde-a na memória, ainda ouvirá muito dela.

Rio de Janeiro 2004

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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