Patrícia Secco

Chão Brasil > Suplício de uma saudade!

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Entusiasmado com a alegre e despretensiosa exposição anterior - Revoada - (ver na seqüência) e tendo tido uma ligeira preview da atual (que ainda não tinha exibida no Brasil), de madura e elevada dramaticidade, lembro não me ter contido e cobrado: "Patrícia nos deve o Chão Brasil".

Agora, com a dívida em vias de quitação, au grand complet, embora esse seja apenas um modo de dizer, grande também é a ansiedade prazerosa que se antecipa. Senti em mim a inabalável certeza - não poderia haver erro! Como, de fato, não houve. O que houve foi a re/confirmação da avassaladora paixão que, embora cosmopolita e daí mulher do mundo, indelevelmente, qual perene cordão umbilical, a une às suas raízes; e da conseqüente saudade, a que dei título de filme (que na verdade não sei se o há, mas que, diante dos fatos e do seminal pathos e do irresistível pothos de Patrícia, da imensa saudade que a devora, é o que menos importa).

Sim, é isso e dito com outras palavras soa significar que Patrícia está no mundo, nos mundos, mas nutre profunda afeição por este pedaço de terra de que ela feita; e isso malgré sua contraditória configuração constituída de exuberantes alegrias e deploráveis misérias que nela permanecem, under her very skin. Não tivesse eu testemunhado sua contagiante alegria e o otimista caráter e estaria propenso a crer em involuntário exílio emocional (que existe, sim).

Sim, acabo de voltar do vernissage da Patrícia, onde por mais de uma hora, antes de a ela me dirigir, me dediquei a observar por inteiro as obras e, discretamente, a pessoa dela no mundo e com o mundo, seu inconfundível e sedutor approach. E uma vez mais, saltou-me aos olhos e me assaltou a indubitável certeza de que ela e suas criações são irremediavelmente indissociáveis; e mais e melhor! - que ela não mais precisava assinar suas pinturas: isso porque sua técnica e suas cores, sua abordagem e o teor delas, a sua visceral expressão, a tornam (de longe!) reconhecível, e em qualquer dos quadrantes, reais e virtuais; que, portanto, sua assinatura, por inteiro e por extenso, é e se funde e se confunde com nada mais que as próprias pinturas, infinitamente reproduzida e esparramada sobre toda a superfície de todas as telas.

E de tal modo inequívoco que desnecessário dizer que ela possui idioma próprio e proprietário e está provida de léxico, gramática e sintaxe, sabe conjugar, redigir, compor; tudo com tudo resultando num encantador e admirável sintagma. Diz também que ela é muito querida por todos quantos dela se aproximam e do mesmo ar que ela respiram; adorável e adorada, exatamente como suas criações - plenas de vigor e de vitalidade, de frescor, de ingenuidade, de inocência, de ausência de maldade (maldade aqui é gratuita complexidade). Entidades complementares: ela, mais que elétrica, eletrônica, um fluxo e um jorro de emoções; elas, repousantes, contemplativas, mandalas estilo/personalizadas. Direi que é nelas que ela encontra a necessária paz, que multiplica e doa a quem dela carece - e quem não? nestes sombrios de que cercados estamos?

Palavras-chaves que usei na expectativa: alegre, dramática (dramática, não em tragicidade, mas em intensidade de inteira entrega e atributos cromáticos). Significa isso que vejo duas artistas na artista - uma, madura, meticulosa, obsessiva, laboriosa artesã, geômetra ciente e consciente da meia dúzia de formas de que se constitui o platônico cosmos, carda, fia, tece, trama a trama (qual Aracné que, em hybris, desafiou Atena - é humano desejar suplantar os deuses) e prepara o suporte, o cálido e úmido terreno da semeadura; a outra, uma sapeca menina que lança mão do ponto e da linha, da reta e do circulo e partilha a terra do Chão Brasil, dotando-a de águas, canoas, matas, árvores e flores, animais diversos - autóctones e heteróctones, reais e míticos, máximos e dóceis elefantes e esvoaçantes e diáfanos louva-a-deus e libélulas. Todos, habitantes do seu sensível, fecundo e inventivo imaginário. Travessa, aqui e ali abre frestas, rasgos, fendas, revolve, serra, areja, ara, sulca, aduba, planta os ícones de sua memória afetiva, recria a criação e redistribui as glebas. Nada faltará a ninguém, ela nos diz e nos afaga.

A pintura de Patricia está em berço esplêndido.

Rio de Janeiro - 2005

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"REVOADA"

Levanta-te e anda, Brasil!

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

- Como as chamaremos? Pinturas, esculturas, objetos?
- Instalação está bem.
- Para fazer o que fez, você deve ser uma artista muito irreverente.
- ... (entrando no espírito da coisa, ao invés de se sentir ofendida, retribui com um largo e satisfeito sorriso de menina travessa).
- Trouxe um pouco (muito) de alegria para o Rio de Janeiro.
- Porque era o que faltava.

Essa entrevista-relâmpago aconteceu na noite do dia 13 de novembro no antro de cultura em que Laura Alvim, depois de desistir do principal e dos seus próprios sonhos, transformou sua Casa.
Chovia muito lá fora. Cântaros. O céu, mais que cinza, chumbo. Lá dentro, uma jeune femme, longilínea e elegante, flutuava (logo saberão o porquê dessa palavra) por entre os visitantes, distribuindo palavras, sorrisos, afagos e arte, muita arte. E por toda parte - o chão, as paredes e até os tetos dos três espaços da galeria estavam ocupados e nos davam a sensação de tudo dominado. Sim, porque a despretensão de suas criações é apenas aparente e ela mantém domínio total sobre elas, exercendo um controle meticuloso que lhes confere a um tempo lúdica representação e transcendental semântica.

Estamos falando das pipas que a artista carioca, Patrícia Secco, nos trouxe de Washington D.C., onde reside há dez anos, para nos alegrar. E ela bem sabe o que faz - nos pega e cativa com aquilo que nos seduz e comove, que evoca em nós reminiscências da infância, de quando tudo era descoberta, novo e imaculado, sonho e fantasia, festa e celebração, sem crime nem pecado. Liberdade. E nesse sentido ela não apela só aos ipanemenses, que, como ela, quando moleca, soltaram suas pipas naquela praia, nem só aos cariocas, a quem tudo pertence, e tampouco só aos brasileiros, mas ao mundo inteiro, tornando assim seu tema e seu tempo de universal importância.

A prosa é cotidiana. A poesia acontece subitamente. Assim também a arte de Secco, que, uma vez consumada é irrefreável em sua fácil e instantânea comunicação, nos revela as verdades e os valores estáveis porque ansiamos, ocultos no núcleo do visível. Fala-se então em magia. Patrícia deve ter olhado para a palma da mão do coração e, em suas linhas, lido nosso passado da inocência indígena e nosso presente de absoluta insegurança em meio aos Campos Elíseos que nos cercam. Medo e abandono. Miséria e descaso. Tudo em suspenso. A democracia consolidada, sim, mas que se consubstancia apenas no ato do voto, como a simbolizar que ali, impotentes, transferimos nossa soberania de cidadãos aos que logo nos aviltarão. Democracia aqui virou sinônimo de liberdade para mendigar, dormir na rua, sofrer as dores do corpo e da alma; do descuido por parte de quem tem o dever.

Vem então, Patrícia, com sopro e alento e com suas pipas remexe nas tripas e nas consciências, reescrevendo, nas faces de suas telas/pandorgas, o novo mapa do Brasil, sulcando suas terras de cabo a rabo, revelando, em suas trópicas e ctônicas cores, as cores de suas/nossas entranhas, re/distribuindo as ocas e as tabas, as favelas e as casas-grandes, re/semeando as lavouras e demarcando as madeiras nativas, as aves e os habitantes das florestas, igarapés, rios, canoas, pedras preciosas, búzios, ... É assim que ela projeta o futuro a ser conquistado por cada um, já que, sabido, não há salvadores. Ela, artista de sensibilidade ímpar em luminosidade, faz sua parte, mostrando o Brasil aos brasileiros e sinalizando a direção e o rumo, inequívocos no felicíssimo título em inglês, "Up and away", que captura livre e apropriadamente a idéia de "Levanta e anda, voa!" Um brado, um hino? Mais, ao empinar seus papagaios, como banners triunfalmente orgiásticos, ela expôs ao mundo, para todo mundo ver e saber quem somos, para onde vamos, o que queremos. Boogie-Woogie, não, Mondrian, é samba. No pé. Nem que para isso tenha que aqui se re/construir a Nova Atenas, com tudo mais e melhor, cujos herdeiros se chamam cariocas e habitam o Rio de Janeiro. De janeiro a janeiro. E onde todos deveriam ter direito a tudo. Falta o cumpra-se.

Para maior autenticidade e impacto, Patrícia Secco carregou na textura de suas telas/pipas de variados tamanhos e coerente, mas inusitado, formato losangular, preparando-as, antes de pintá-las, com o "inpasto" de um amalgama de gesso e papier mâché, o que lhes empresta contrastante robustez ao mesmo tempo que leveza conceitual. As linhas são ora pintadas nas paredes ora sólidas em metal de considerável espessura, e os grandes carretéis, em alumínio, repousam sobre outros maiores, do tipo industriais, de madeira. Bases sólidas para vôos firmes, que é o que Patrícia Secco deseja e espera de nós. Pois, então, que a esperança vença o medo, no dizer do mais novo poeta - o Eleito! Descolemos, decolemos e voemos todos sobre suas asas acolhedoras e aconchegantes.

É justo e necessário também que, apesar do presente panegírico, se diga que as criações de "Revoada", está certo, são obras-primas, mas menores. A exibição das "outras", das obras-primas maiores, da série "Chão Brasil", que nos tiram o fôlego e nos fazem tremer, tal seu impacto emocional, estético e intelectual, fica a artista a nos dever para o mais inadiável breve.

Rio de Janeiro - 2002

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