| Monica Barki | ANA C. e outras estórias |
Cordel de rolo e de parede.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

O título "Ana C e outras estórias" inequivocamente sinaliza para um livro de contos, contados por quem tem de sobra o que contar, ainda que em e por outros meios. Conhecendo, basta um pouco, o histórico e a trajetória de Barki, pode-se seguramente afirmar o muito que ela fez de tudo um pouco, muito, já que ela é a própria personificação desse espírito de irrequieta inquietação da sua geração e tempo. Da inventiva criatividade, da passional entrega e da irrestrita devoção, da sua profunda Erlebnis do que afeta o humano.

Ocorre com a arte o que ocorre com a febre do ouro - basta o boato da mina ou do "ismo" criado a esmo e todos em torrente corrente correm - acorrem. Muitos até deixam a cabeça de lado - para assim, dizem, correrem mais rápido. Essa, a regra. A exceção nos diz dos outros, dos outsiders, franco-atiradores, que na contramão se dão a mão. Barki, por exemplo, depois de tudo experimentado, vê um caminhoneiro que, solitário, diuturnamente transita pelas terras e rasga os ares, carregando em seu rabo o quê? - um dito popular, uma frase, que entre tantas ele escolheu para acompanhá-lo e a põe na cara de todos quantos lhe seguem. É essa sua inocente e visionária Weltanschauung do mundo que comove a artista e faz com que a ele se cumplicie. Registra, então, antropofaga e citofaga, processa e devolve inteiro e íntegro o caminhoneiro e sua valiosa "bagagem" - passagem do profano para o sagrado território da arte.

Barki, vê-se logo, vê mais e melhor e é isso que distingue o artista - ver algo onde outros nada souberam ver. Ou, se viram, não foram aptos a detectar o essencial e descartar o contingente. Barki, ao passar por vendas e vendinhas de beira de estrada e notar as mal-traçadas grafias das plaquinhas que apregoam e anunciam "Vendissi isto e akilo, muskito por metro e por kilo" e sua involuntária (?) subversão de regras e normas, percebe e apreende que o errado é certo e o certo é um desacerto, por exigir formalismo onde só há espontaneidade e emoção, verdade. E de novo se apossa, se apropria do tosco material e, conferindo-lhe feição apropriada e valorada, monta suas significativas colagens e com elas conta suas/deles estórias. E faz também bobinas e rolos de arte por metro e por quilo e a preço de coerente banana. A arte aí está para unir, não para discriminar, desprezar. Não importa (importa, sim, já que ironiza, polemiza e problematiza a arte e sua mitimistificação) se o formato do produto final, sim, é um produto, nos remete ao banheiro ou à cozinha. Non olet, non dolet.

Mônica não necessita de álibi - sua arte é comprovante de que não se alheia nem aliena do que ao seu redor sucede. Tanto assim que, posso firmar - na verdade, não é ela que passa pela vida (quando tudo parece estático e inerte) e sim a vida passa por ela, como um livro de contos ou um filme de cinema sem fim. O que a ela cabe, ela sabe - estar atenta e vigilante e amorosamente lançar seu olhar autóctone, repleto de ingenuidade, e conscienciosamente avaliar, fazer sua seleção natural ao inverso. Sim, contradizendo a implacável e cruel teoria, dispensar os festejados e direcionar seu ímpetus criativo nos que ninguém presta atenção, muito menos homenagem. Aos aparentemente insignificantes, aos anônimos, aos destituídos de importância e de valor. E com sua arte, eternizar, fazer transcender o efêmero e tanger o perene.

Paralelamente e como feliz contraponto a colagens, bobinas e rolos, de discreta fatura - à base de quase não-cores -, há outros "contos" - pinturas recentes, que, tiradas lá do mais fundo do seu íntimo mundo e da sua memória afetiva, nos impressionam e impactam com sua intensa presença física, transbordante expressividade e flamboyant cromatismo. Vermelhos, rosas, violetas e variantes conspiram para celebrar uma sedutora festa em andamento - a dos (até então, agora não mais) incomparáveis bonecos de Olinda. A temperatura sobe, emoção se derrama, vaza ao ritmo marcado por Barki em seu carnaval doméstico de adoráveis Anas e Aninhas - suas encantadas e encantadoras ma/doninhas.

Tudo com tudo, aí está uma obra que, em tempos não muito distantes, na verdade já, será avaliada, omo o sintético e eloqüente mapeamento da cultura popular com seus erros, seus acertos e, sobretudo, sua inocência e sua graça.

Rio de Janeiro - abril - 2006

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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