"ESTUDOS CROMÁTICOS", de Maya Inbar
Maya e a Magia da Ilusão.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

O_eterno_amor_de_Maya_Inbar No vernissage, um lapso imperdoável - não conhecíamos a artista, nem tínhamos uma noção precisa de suas criações. Demos uma volta pelas arcadas, examinamos os quadros e, grata revelação, fomos tomados de assalto - havia preciosidades ali, formal e materialmente - a técnica, o estilo, o tema, a cor, a perspectiva, o volume, a textura, a luminosidade, ... essas coisas que a teoria da arte nos ensina a levarmos em conta no ato da apreciação; e o principal, que é o que na verdade importa - o impacto estético e emocional, que nos desarmou, dominou e subjugou. Tanto que tivemos que fazer uma segunda e uma terceira procissões, "a coisa" dentro de nós crescendo e se avolumando. E não estávamos sós nessa sensação - por toda parte, grupinhos de adolescentes, de maduros e de idosos, impressionados e em piedosa peregrinação, ora apontavam e comentavam vivamente isto e aquilo e ora cochichavam e riam o riso abafado, atitude saudável e bastante incomum, sabido que é, que a maioria das pessoas vai às inaugurações como se numa reunião social - comes, bebes e abobrinhas. Ali, aquilo era a mágica da pintora operando a sedução.

Diante da maturidade da execução das obras e do pleno conhecimento do assunto, caímos na armadilha do estereótipo - o de achar que a artista devia ser uma senhora de meia-idade com suficiente experiência para tanto. Qual não foi a surpresa, agradabilíssima, ao sermos apresentados a uma jovem de 20 e poucos anos, porte altivo e simétrico, cheia de saúde, beleza e sensualidade fartamente refletida em suas pinturas! Um raro espécime da raça que confere sentido à vida. Era Maya. Mas não era desnuda. Antes, sóbria e elegantemente trajada. Talvez por isso ainda mais sedutora em sua luz própria - Maya vestida.

- Com esse seu nome, que vem do sânscrito e significa "magia", não é difícil adivinhar o porquê desse feitiço que está acontecendo aqui - brincamos. Maya ri, com encabulada modéstia, e nos corrige:
- Meu nome não é do sânscrito, é do hebraico e significa "ilusão".
- Ah, bom, pensamos que ilusão e magia eram afins - rebatemos jocosamente para não polemizar. Vê-se logo que é decidida e voluntariosa. Deve ser coisa da idade. Está bem, vamos admitir que ela pegou as cores puras e suas misturas, as revolveu em seu caldeirãozinho e agora ali nos oferecia a ilusão de uma outra realidade, antes imperceptível. Não é o que artistas sempre fizeram?

"Estudos cromáticos" diz Maya no título. Podia parecer uma salvaguarda defensiva, prevenção contra eventuais sinistros. Não é. Porque, se seu propósito era nos revelar como as cores ocupam o espaço e como se comportam - cada uma consigo própria e com suas variações, e, ainda, umas em relação às outras - como contrastam e como se complementam, suas amizades, paixões e amores; como, por vezes, entrando em dissonâncias e ódios, se anulam e até se matam e morrem (que também com as cores acontecem essas coisas). Observando as obras, robustece-se em nos a convicção de que ela cumpriu a tarefa, e com louvor. Suas telas são verdadeiros patchworks cromáticos, meticulosamente estudados e magistralmente realizados - seja nas grandes áreas intensamente monocromáticas, seja nos entrecruzamentos e nas invasões mútuas.

Um estudo exige pesquisa de campo e teoria. É lícito supor que ela travou conhecimento com Gauguin, Van Gogh, Matisse, Delaunay, Kirchner, Kokoschka, Kandinsky, Picasso. Aliás, disso ela não faz segredo nenhum, consciente que é de que não imitou nem copiou, apenas emulou e, por vezes, até melhorou; em qualquer das hipóteses, pavimentou seu próprio caminho e arquitetou sua própria linguagem, agora pessoal e inconfundível. O lucro - tornou-se exímia colorista. Chegamos a brincar com ela em relação ao quadro "Paisagem azul", francamente picassiano, em que ela cria planos inusitadamente instáveis na composição e altamente sofisticados na coloração:

- Picasso deve estar se remoendo de inveja no túmulo!
- Ele deve estar é se revirando de ódio, isso sim! - a humildade impede sacrilégios.

Aparentemente, para estudar as cores teria sido mais apropriado recorrer a criações abstratas, geométricas. Ah, mas aí o fogo da paixão, que arde na juventude, não concederia. Maya não conseguiu resistir ao incêndio e optou pela figuração, ainda que diluída, no limite dos atributos essenciais; se é que escolha foi e não imposição premente do fazer criativo. Corpos e paisagens, ou corpos nas paisagens. Sem nenhuma preocupação com o psicológico dos elementos, afinal, essa não era a proposta inicial. Em compensação, as cores falam e, mais, gritam, e as carnes, bem as carnes, calientes, voluptuosas, quase tácteis em sua plenitude, são tagarelas e se expressam por todos os poros.

Maya usa precários contornos para conferir volume e dinâmica às figuras, como a indicar que não se agüentam dentro de sua própria pele, urgem por expansão e em busca do outro. Há um erotismo contagiante inigualável no quadro "Arrebatamento" e outro tanto em "O eterno amor" - a apoteose do êxtase; assim também no "O ideal masculino" - este enlaçando sugestivamente o feminino pela retaguarda; idem no "Só azul", com suas fartas formas sensualistas, e no "Convite" - a mulher ansiando pela chegada do amante; e ibidem no incomparável "Vôo dos amantes".

Como contrapeso, há outros ambientes - na tela "Vazio", a manifesta melancolia de uma mulher depauperada, na praia desértica, contrasta com o fundo onírico marinho, ilhas no horizonte; mas ali, no presente imediato e próximo, apenas um tronco ressecado, francamente Kleeano, como se um homem estéril fosse - restos de algo que um dia foi sonhado. Já a tela "Auto-retrato em perfil" intriga e causa estranheza, posto que, contradizendo o título, salvo pelo nariz semita, em nada lembra a exuberância, vitalidade e sensualidade da artista; parece mais uma egípcia, uma sacerdotisa no templo ou à beira do Nilo, quase assexuada, hierática. Só falta, embora de perfil, olhar de frente para nós. Mas afinal, por que terá ela se tolhido a esse ponto extremado?

- Você desvalorizou muito seu físico nesse auto-retrato? - Questionamos provocativamente diante da charada.

- Não é isso, é que de perfil eu sou assim mesmo - respondeu Maya e nada mais disse. Ao surpreendê-la de perfil, entretanto, constatamos que a reserva não confere e não convence. Seria essa contenção o pudor do criador para consigo mesmo? Fica o mistério.
Em muitos cds de música há uma carro-chefe, as outras só empurram. Fazendo um paralelo - no caso de Maya, podemos sem risco de exagero dizer que são 12 telas e 12 obras-primas; sendo o "Arrebatamento" a obra-prima das obras-primas. Vemos futuro cheio de luzes e brilhos, caminhada rumo à Arcádia e daí vôo para o sol.



Rio de Janeiro 2003.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > E-mail


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