"MULHERES DO SERTÃO" - Maria Conceição de Góes / Editora Revan
Mulheres, uivai!

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

"Nada acontecia que merecesse comentar. Tudo na mesma, mulheres, vacas, cabras e galinhas continuavam cercadas para se reproduzirem. Tudo dentro dos conformes, como falava o pai. Para as mulheres havia um agravante, caso o nascimento não fosse de um macho. As meninas não eram bem-vindas, principalmente se fossem primogênitas. Quando nascia uma menina, a mãe falava: 'Mais uma para sofrer'. Se fosse um menino: 'Mais um para mandar'. Se pensasse mais: 'Mais um para pensar que manda'."

Apesar do nada que merecesse comentar, Maria Conceição decide narrar o inenarrável - função de toda arte. E o faz com másculo vigor e feminina delicadeza. Sem mágoas, mas com refinada ironia. Com vocabulário e sintaxe proprietários do sertão. Um sopro e um suspiro prazerosos diante do cansaço urbano. A lamentar, só o fato de ela não ter cometido suas escrituras há mais tempo e abarrotado nossas estantes com obras-primas como estas Mulheres do sertão. Ainda é tempo!

Chiquinela toda nua atravessou o açude a nado, montou na garupa do namorado e ganhou o mundo. Já Francisca, a avó paterna, acabou casada a contragosto e, logo após o parto do primeiro filho, se trancou no quarto e se deixou matar de fraqueza. Não sem antes se vingar do marido, nomeando o nascituro varão com seu nome de solteira.

Foi desses dois dramaticamente extremados casos que nossa heroína ganhou o nome Francisca e o apelido Chiquinela. Mas não lhes seguiu o exemplo. Está certo, ao primo que a pretendia mostrou o rabo do gato levantado e, tempos depois, trajada só de camisola, invadiu a sala e agarrada a outro primo dançou a primeira e última valsa de sua vida. Pra quê! A punição foi parar de estudar e voltar para a roça - cercada por espaço aberto mas sem ter para onde ir. Então foi para dentro de si - repleta de insustentável agonia e abissal solidão. Até que certo dia se deixou encantar pela loira cabeleira e os azúis olhos de uma visita macho. Mal sabia ela que ele a procurara para esquecer a noiva que o abandonara. Na véspera do casamento, como que por intuição, nossa Chiquinela abriu todas as gaiolas dos muitos pássaros que criava ... Terminava o cativeiro deles, começava o dela. Casou e logo - grande infelicidade! - teve uma menina na casa onde quem mandava era a sogra. Mais infelicidade - viu o marido aos beijos jurar amor eterno à ex-noiva (e, depois dela, às filhas dos agregados, dos parentes e de quem mais cruzasse seu caminho de saia). Nesse dia ela desejou a escuridão para esconder sua dor.

Não liga, disse a sogra, as mulheres morrem com os maridos. Chiquinela, sem saída, aprendeu a lição. Casada mas sem marido, dedicou-se ao trabalho, pariu mais filhos e observou os destinos das outras mulheres - da que se afogou no açude, da que se banhou em álcool e ateou fogo, da que se perdeu no mundo e se achou sentando praça na zona de Mossoró, da que ... Para que suas próprias filhas não corresem o risco de tal trágico destino, incentivou-as a estudarem - única saída para todo desgraçado. E assim, sofrendo calada, foi sobrevivendo até encontrar a paz. Uma heroína épica! Tal qual Maria Conceição que, entre lágrimas e gemidos, e iminente insanidade, saiu laureada resgatando o legado que agora nos oferece para sentirmos vergonha de nossa condição. Um livro perturbador! E catártico! Devia ser distribuído a cada cidadão deste país e adotado pelas escolas nordestinas e brasileiras, para que todos saibam quem nasce para sofrer, quem para mandar e quem para pensar que manda. Onde estão os governantes que não promovem o iluminismo e a justiça?! A libertação?!

Rio de Janeiro 2001


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