"Cunhataí - Um romance da Guerra do Paraguai" - Maria Filomena Bouissou Lepecki - Ed. Talento
Obs: Como imprensa, recebemos livros que resenhamos conforme a chegada. 'Cunhataí' era o 9º da fila. Num instante de distração, porém, comecei a folheá-lo e pronto! ele me seduziu, prendeu, furou a fila e me 'obrigou' a sorvê-lo todinho e de enfiada! sem parar nem para respirar :-)

Che reimbiayhú = Perdoa, meu amor.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

- Sabemos que 'cunhã' significa moça em guarani. Mas e 'cunhataí'?
- Cunhataí é moça nova, em pleno florescimento, bonita, pronta e aberta para o amor.
- Diz o sub-título tratar-se de romance da Guerra do Paraguai. Devemos supor, então, que não tem nenhum fundamento histórico?
- Muito pouco. Mas percorri o cenário da guerra e fiz algumas pesquisas e tomei anotações.
- A 'retirada da Laguna' é assunto nebuloso e tema tabu para o Brasil. Você toma partido?
- Sim, contra a guerra. Mas também tive o cuidado de não melindrar os militares, já que a história é mal contada. Parece, entretanto, que eles gostaram.
- Está plenamente consciente de que produziu um livro de peso? - brinco balançando o volume na palma da mão como se para avaliar a proporção direta entre peso físico e literário.
- ... - Maria Filomena enrubesce, abaixa o olhar, pisca repetidas vezes e por instantes parece cunhataí.

Diz a orelha que a autora é médica e que por causa de freqüentes mudanças de cidade, interrompeu a carreira e iniciou-se em literatura. Cunhataí é seu primeiro romance. Duvidamos seriamente dessa conversão funcional. Preferimos crer que ela já nasceu escritora. E para um primeiro livro, afirmamos que também ele já nasceu clássico, na verdade, um épico, não apenas tupiniquim, mas universal, coisa que salta aos olhos diante do matiz e do alcance de sua mensagem.

Sim, na verdade, parece que essa moça nada fez na vida a não ser ler, se instruir, afiar sua sensibilidade e percepção e escrever - tal a sua cultura enciclopédica e o domínio da linguagem com todas as suas nuances e sutilezas, que fazem com que a leitura flua sem nenhum entrave nem tons destoantes. Ela nos prende e cativa, nos torna seus súditos e faz sorver sua sabedoria como se perdidos no deserto, embora em traiçoeiro pantanal e densa mata. É impossível não se apaixonar por Micaela e sentir compaixão por seu destino. Programada e destinada a simples e doméstica prenda, desafia as convenções e através do espírito libertário, da doação, do estudo e do amor, de que ela faz sua razão de viver, e das desumanas provas e privações, a que é submetida, emerge por fim como ser pleno e inteiro, integro em sua incorruptível ânima.

O tema de Maria Filomena é indubitavelmente o amor, mas não o circunscrito apenas pela triangulação de Ângelo, Micaela e Santa Cruz. Se só isso fosse, não passaria de tedioso e açucareiro déjà vu. Está certo, ele permeia a narrativa e paira constantemente sobre os acontecimentos, mas o amor de que a autora nos quer dizer é mais e maior - é o amor pela natureza - máter primeira; pelos viventes - plantas e animais, que nomeia e configura com profundo conhecimento de causa e competente propriedade; pela terra - supridora das humanas necessidades; pelos humanos em particular, cujos costumes, crenças, ritos, carências, sofrimentos, atribulações e cultura nos revela como se ántropo-socióloga de nascença.

Em contraponto, e em autêntico e pétreo libelo, ela também nos fala da rejeição à guerra em toda a sua degradante miséria e bestial crueldade, do mais absurdo sem-sentido das mútuas matanças em nome de enganadores e ilusórias noções de valor, tais como pátria, heroismo, honradez, família, moral, propriedade, - as nossas, porque as dos outros despachamos para os infernos com a maior das facilidades, sendo a recíproca absolutamente verdadeira.
A Editora Talento, cujo nome não podia ser mais significativo e sintomático, nos apresenta através dessa histórica edição o vigoroso talento de uma escritora ímpar, de delicadeza invejável e de sentimentos e espírito humanistas, que esperamos, torcendo a favor, nos brinde em seu tempo justo com mais sabedorias, lúcidas e diáfanas.

Rio de Janeiro 2003


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©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
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