O jornal ©RIO ARTE CULTURA.com®, perplexo, questiona:
Desesnhando_em_terços

A arte será livre ou não será?

Tortura e Censura Nunca Mais! (?)

O des/caso Márcia X.

A per/versão do Banco do Brasil.

©Alexandros Papadopoulos É*

Para quem ainda não está inteirado (há quem não esteja?!) da brutal violência (cortaram em nossa carne) cometida pelo BB contra a artista Márcia X, que, morta, não tem nem como se defender (o que, além de configurar covardia, torna o ato, aí sim! obsceno), resumimos:

Alguns fanáticos da "Pus Christi" desencadearam a infame campanha "Blasfêmia (contra a arte) não", exigindo a crucificação/incineração da bruxa Márcia X [só falta a queimarem em efígie ou, pior, exumarem e vilipendiarem seu cadáver (Ah, se o Pedro da Inês voltasse, a restaurasse e ordenasse que lhe beijassem as três bocas!!)], e o CCBB, que se pavoneia de defender a liberdade de expressão (!?!), num piscar, desdisse o que disse, cedeu e os atendeu.

Pior que, na verdade, o desenho "Desenhando em terços" é subliminarmente religioso, já que nele são representados dois corações de pontas alongadas em forma de pênis cuja interseção resulta, não em cruz (e mesmo que fosse!?), mas em X - de Márcia X!! essa reverente e devotada adoradora da força vital da humana vida - do que mantém o homem vivo, assim como todos os demais animais, que aqui agora reverenciamos e adoramos.

Não me passa despercebido o detalhe de os prolongamentos dos pênis servirem de apoio e sustentação aos corações. E também me excita o espírito notar não terem sido eles orientados para o alto, como seria de se esperar! caso em que estariam sinalizando mais para a instintiva agressividade do sexo "en garde"! Dispostos como estão, sinalizam para a contemplativa reflexão sobre o repertório existencial. Fina/l/mente, se, no dizer de Freud, há no mínimo quatro pessoas envolvidas em qualquer relação (portamos, respectivamente, o pai e a mãe - acertou ele), ali vemos dois pares em conluio afetivo xisado (não cruzado nem crucificado!) - uma magnificente construção arquitetural! Uma constelação incrustada na gélida escuridão dos céus - não vê as estrelas, Márcia X entre elas?!!

Aí temos, portanto, a metáfora do amoroso, do sexual e do bio-psico-social, pela associação do sublime amor com seu potente instrumental de fertilidade/fecundação, da vida em sua plenitude operacional e geracional. Não esquecer que em todas as culturas antigas, presentes e futuras (sim!), o phalus se consolidou como o emblema por excelência desse polinômio. Era assim nas dionisíacas, órficas, menfi-tebanas, babilônias, templárias indianas, nos ritos africanos, nos pré-colombianos.

E assim o vemos ainda hoje na pessoa da figa - essa mesma que mocinhas e rapazes e adultos brasileiros de toda orientação, orgulhosa, ludica e misticamente ostentam pendurada no pescoço, no pulso, no (sintomático) chaveiro, assim como no phalus/falus/pau que os homens carregam em procissões católicas, como a do Círio de Nazaré, e as mulheres ardentemente desejam tocar e desejar amor, casamento, gravidez, continuação da espécie, realização de sua (e da nossa) natureza. Em Athenas havia hermas/phalus nos pórticos das casas e em Roma as matronas os punham, quando não no seios ou nas entre-coxas, debaixo do travesseiro e sobre eles dormiam e sonhavam filhos. Et sic - tudo muito inocente e ingênuo fetichismo propiciatório.

Mas vamos à mal/versação do BB...

...a cujo Centro Cultural carioca fui outro dia, confesso! com segundas intenções. As primeiras, por óbvio, eram ver, em sua versão contemporânea, essa milenar e sempre encantadora arte do laborioso povo japonês que tem mania de ... beleza - na pintura, arquitetura, cerâmica, no vestuário, ikebana, na cozinha, nos jardins das cerejeiras em flor, no semfim das humanas ocupações. As segundas eram tirar a limpo esse inominável de tão escandaloso episódio Marcia X. Tínhamos já ouvido o lado quase uníssono e unívoco e inequívoco dos que (seria estranho se assim não fosse), antes de qualquer coisa religiosa, são artistas. Faltava agora dar voz ao "outro lado" - o do CCBB. O dos ditos religiosos, por gravemente alienados, nem precisava: "Eles não sabem o que fazem" - não foi assim que seu mítico avatar lhes advogou o perdão junto ao Outro?!

Voltando à vaca fria (depois de esquartejada): concluídos os necessários salamaleques do vernissage japonês, abordei o Marcelo Martins Mendonça - diretor-geral do CCBB Rio - e, ainda consternado com o sucedido (que em mim, como certamente em muitos outros, ressuscitou traumáticas lembranças de censura nos tempos da ditadura) e sob forte impacto emocional, o inquiri: Por que a soberana instituição-símbolo da arte e da cultura brasileiras agira de maneira tão escabrosa?!!

Jornal RioArteCultura.Com: Antes de mais nada: a decisão de censurar a obra foi obra sua, de outro diretor ou colegiada?
Marcelo Mendonça: Não foi minha nem de ninguém daqui. Ela foi institucional, corporativa, tomada em Brasília.

jRAC: E com que justificativa?
MM: O protesto de um grupo religioso que mandou cerca de 700 e-mails e a ameaça de alguns correntistas de fecharem suas contas.

jRAC: No universo de 200 milhões de brasileiros, sendo que ca. de 150 mil já viram a exposição no eixo Rio-São Paulo e até então ninguém reclamara, 700 e-mails não são exatamente significativos representantes da população! Já ceder à ameaça, aponta para o exercício por parte do BB de um capitalismo selvagem, em desrespeito aos artistas. É lícito, o maior banco do país se sujeitar a esse tipo de chantagem? E se amanhã outras religiões, partidos políticos e até a torcida do Flamengo acharem que tal obra ofende seu ayatolá, rabino, presidente, técnico ou jogador, como ficamos?!
MM: Acontece que em dado momento a Igreja Católica toda entrou em peso como instituição no conflito e com seu peso a coisa complicou. O Banco preferiu então evitar a polêmica.

jRAC: E para evitar uma polêmica menor, e descabida - por restringente da liberdade -, preferiu se envolver em outra maior, muito! maior, com os artistas. Não avaliou a diretoria que também estes poderiam ameaçar fechar contas e, pior!, desencadear uma campanha de âmbito e respaldo internacional (lembrar a feira de Paris, a sanpaulina Bienal, o MAM Rio - todos dos tempos negros!); retirar suas obras em exibição; boicotar futuras exposições; recusar-se a expor neste espaço que assim se transformaria em elefante branco, esqueleto vazio?! Sem falar no perigoso precedente que se abre para uma escalada da censura e do autoritarismo, em nada diferente da ditadura! Favorecer os fanáticos em detrimento dos artistas, não terá sido gato por lebre?!
MM: Posso lhe assegurar que nós aqui do CCBB ponderamos e tentamos argumentar com Brasília, mas acabou prevalecendo a tese pragmática do, na opinião dos diretores, mal menor - da retirada pura e simples, talvez por acharem que o caso logo seria esquecido.

jRAC: Quer dizer que Brasília não viu nessa violência toda, decidida unilateralmente, mal maior! Mandou cortar e pronto! Sem diálogo nem nada. Não teria sido mais justo recorrer ao contraditório - conhecer, ao menos, o posicionamento do curador e dos artistas em geral e dos participantes da Erótica em particular?!
MM: Também essa sugestão foi feita por nós, mas não houve jeito. A diretoria foi irremovível em sua deliberação.

jRAC: E nem mesmo foi cogitada a inteligente e razoável, por equidistante, hipótese de deixar o caso correr solto e aguardar o pronunciamento da Justiça - fórum final em qualquer regime democrático?! Sendo que assim o banco salvaguardaria a sua reputação e a cordial relação com os artistas!
MM: A diretoria talvez achasse que na justiça o caso poderia se arrastar longamente, ganhar grande publicidade e repercussão e causar prejuízos maiores. Ela certamente não contava com a dimensão e o rumo que as coisas tomaram.

jRAC: E agora para finalizar: Qual é a sua opinião pessoal sobre o caso?
MM: Fomos orientados pela diretoria a não conceder entrevistas nem externar opiniões. Se assim desejar, posso lhe fornecer os números dos telefones de Brasília para você obter a posição oficial da instituição.

jRAC: Sim, grato, aceitarei. Mas você não pode me dizer sua opinião nem mesmo eu lhe garantindo o álibi do "off the records"?
MM: Nem assim. Suponha que não tenho opinião; melhor, tenho, mas prefiro guardá-la para mim, entende a minha situação? Ao invés, prefiro afirmar que todo esse imbróglio resultará em algo muito positivo - a sociedade está debatendo, questionando, discutindo, dialogando, procurando soluções mais adequadas. Tenho certeza de que a democracia sairá enormemente fortalecida...


...disse concluindo Marcelo Mendonça, visivelmente constrangido e enrubescido. E solícito e gentil foi buscar os tais números dos telefones de Brasília.

No ínterim, por instantes o vislumbrei com as mãos e os pés amarrados e a boca amordaçada (também ele de alguma forma parecia estar sob censura) e senti compaixão e remorso por ter sido estupidamente insistente no item "opinião pessoal" - podia inadvertidamente comprometê-lo, e, o pior, de graça! Não haviam sido suficientemente claros os sinais emitidos durante o nosso, malgrè tout, informal e cordial colóquio, transcorrido em clima de tácita cumplicidade?! Moral: Com tudo somado e subtraído, restou a plena certeza de que, na ideal das hipóteses, estivesse ele comandando o BB, e na hipótese real, tivesse o CCBB (urge que tenha!) a necessária autonomia decisória e curatorial, com o Marcelo Mendonça onde está agora - na diretoria-geral, não estaríamos passando por esse aperto e essa angústia - a insegurança do amanhã. Era bom lidar com um jovem sensível, instruído, esclarecido, e ciente e consciente do transcendente significado da arte e da sua visceral função vital na humana sociedade.

Minutos depois, lá ele estava ele de novo, munido dos prometidos números anotados no verso do seu cartão, agora já acompanhado por seu assistente Toninho Gonçalves, ouso dizer, consumado doublé de artista e crítico e curador, o que corrobora com a tranqüilizadora tese de que, ao menos aqui, estamos em boas, nas melhores, mãos.

Horas depois, já no SOHO (Small Office Home Office) do jornal, lembrando do "Scripta mannent, verba volant", preferimos, ao invés de telefonar, dando assim margem ao "disse não disse", encaminhar as perguntas por escrito para a Ouvidoria do BB e estamos, quatro dias passados, aguardando o tal pronunciamento oficial que, esperamos, quando, e se, vier, não seja mero repetidor de clichês e sim uma responsável exposição de motivos e de alegações finais - ponto de partida para um fecundo diálogo e feliz composição.

O desejável, entretanto, seria que, reconhecendo ter se precipitado e tratado com suma leviandade fato de suma gravidade, saiba dar a mão à (gentil) palmatória e incontinenti restituir a obra censurada a quem de direito - o povo brasileiro e o restante do mundo que, visto estarmos vivendo em um território paradisíaco, olha para nós com saudável inveja, na expectativa de uma civilização avançada, o que vale dizer: a incipiente e experimental democracia ateniense finalmente aqui realizada e finamente cristalizada. Mesmo porque, nos próximos dias, a exposição Erótica segue para Brasília e os cidadãos brasilienses não vão querer se sentir lesados e desfalcados do sacrossanto direito de poder apreciar e avaliar ao vivo, o vivo e profundo significado do "Desenhando em terços", de *Márcia X*, que, diga-se, fez o que fez para literalmente, melhor, graficamente, nos unir, não para nós separar. Pois que assim seja!


Volte ao início, Leitor, torne a olhar nova e novamente a foto da obra que constitui o X da questão, avalie e opine, para o bem ou para o mal - a escolha é sua e a consciência idem: telefone para o BB, em Brasília - 61 310.3536 e 3310.4256 - ou envie mensagem para a Ouvidoria do mesmo E-mail.

Rio de Janeiro, 25 de abril de 2006

©Alexandros Papadopoulos Evremidis = editor crítico > Email


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