"PINTURAS", de Marcel Fernandes.


Apresentação

Marcel Fernandes - a emoção à flor da tela.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Se perguntarmos a todos os viventes, inclusive aos animais e vegetais - dos macro aos submicroscópicos (sic), "O que é arte?", provavelmente receberemos tantas respostas quantos existem seres. Uma, entretanto, por agrupamento de semelhanças, será recorrente - "Arte é comunicação". Não que se trate de definição ou conceituação concludentes, que estes são terrenos ardilosos, semeados de ciladas e, mais, são minados. Parece ser mais uma questão de inferência lógica, primária, elementar e pragmática. Quem escreve um livro, excetuando os diários íntimos, fadados a acompanharem ao túmulo os diaristas, a não ser que algum ímpio os torne, post-mortem, públicos, assim age porque deseja ou se sente impelido a comunicar algo a alguém - ao "Outro", sem o qual aquele não seria. Vale o mesmo para o dramaturgo, o pintor, o escultor, o compositor e ... para o Marcel Fernandes que é função destas linhas.

Jovem, mal saído da adolescência - essa encantadora idade do dolor -, traz em si toda a enxurrada de inquietações, de dúvidas, de turbulências e paixões avassaladoras, próprias da travessia entre o inacabado e o pleno ser. Não bastasse, parece ser ele dotado de uma personalidade exacerbadamente sensível, em que as emoções afloram e explodem a toda hora, exigindo a sua mais peremptória expressão. Poderia Marcel tentar guardá-las para si, remoer e enrusti-las, e certamente entraria em parafuso e perder-se-ia em algum buraco negro, ou sofreria um trágico colapso. Optou por, seguindo os procedimentos urgentes e necessários da pesquisa e do estudo, a par com a introspecção e as conseqüentes experimentação e exposição, abrir as comportas e canalizar toda a energia, a vitalidade, o protesto e a dor sufocantes, para as amplas e benfazejas vazantes da arte pictórica - "cada pintura realizada representa um grito a menos e uma alegria a mais para compartilhar", depõe Marcel.

Não demorou muito para Marcel se confirmar artista e, melhor, sem nenhum esforço, embora com bastante e agradável surpresa, disso nos convencer. Falo em surpresa, porque, de tanto ouvir, terminamos cerebrolavados por acreditar que os jovens "de hoje em dia" são todos alienados e que suas míopes aspirações não vão além do prosaico "money no bolso" e diversão. (Parece até que esses críticos, refugiados em escusos álibis de erudição, nunca foram jovens, não a seu tempo). Será? Não será! E prova cabal disso, entre tantos outros, e tanto quanto talentosos, jovens, é Marcel - um ser absolutamente ciente e consciente e daí também plenamente comprometido com o seu, e o alheio, "momentum". Ao longo da história da arte, conhecemos livros e catálogos que catalogam e grosseiramente classificam os artistas como artistas filósofos, artistas moralistas, estetas, críticos da sociedade. Esquecem os que assim procedem que o artista é, e o é exatamente por ser artista, um ser pleno e ecumênico, que tanto pode nos transmitir conhecimento sobre a metafísica de um grão de areia e da borboleta de Chuang-Tsu, como sobre a curvatura das nádegas da Calipígia ou a largura da vagina da Pândemos.

Voltando à vaca fria da comunicação sob cuja égide, segundo esses retóricos, estamos vivendo neste momento, mas que nós cremos ter estado ela presente na composição dos primitivos coacervados e sido motor propulsor que os levou à complexidade do estado celular que por sua vez culminou no molecular e orgânico, podemos tranqüilamente dizer que Marcel nos quer comunicar isto e aquilo e aqueloutro. Basta observar atentamente e com aberta mente, as várias vertentes da sua incipiente produção artística. Na obra "Caos", por exemplo, que subliminarmente nos remete à pandemoníaca destruição das torres, e também na "Realidade" e em mais algumas outras da série, ele denuncia violentamente a violência - seja ela a institucional, a política, a social, a do fundamentalismo religioso (ironicamente "religião" significa religar os homens a Deus - não seria mais decente "religá-los" entre si?), a do indivíduo, ou ainda a de um acidente automobilístico. Todas deixam marcas profundas e indeléveis, nos dele e nos nossos físico e psiquismo, e estão patentes e testemunhas, ali, em suas telas. Marcel consegue isso deliberadamente tumultuando e conturbando a dinâmica das linhas e dos planos, fragmentando e embaralhando-os, e carregando nas cores sombrias, aqui e acolá pontuando o calor da fogueira dos infernos alimentada com sangue. São indubitavelmente criações de grande impacto emocional e estético, mas ele não se dá por contente, quer ir além, nos cutucar e nos espetar, nos agredir mesmo, para por meio de uma violência amorosamente sutil nos conduzir à premente reflexão sobre seu significado e sentido.

Em outra seqüência, como a do masculino e do feminino, servindo-se do papier collé de um papelão canelado (um tremendo de um achado e provavelmente uma reminiscência afetiva do classicismo iônico) e dos tons verdes e azuis, Marcel, por meio da textura e da luz, reconfigura os sexos conferindo-lhes aspectos de seres de dimensões extravagantes e originais, alienígenas, e ainda assim caracterizados pelo côncavo e pelo convexo. Já em uma terceira série, a poesia titular dos "Estático", "Encontro" e "Liberto" é salientada e transcende pela documentação de uma ascese formal sobre uma superfície granulada de apelo encantador, que sem intermediação nos remete aos muros das nossas infâncias e adolescências. Êxtase afetivo semelhante é alcançado nas rítmicas e melódicas composições não tituladas, onde forma e cor se entrelaçam em harmonioso pas-de-deux e se entregam ao livre curso, movimento e fluxo dos rios de emoções que nos percorrem e que são povoados por planos, signos e aparições biomórficas. Uma alegria para os olhos, essas suas pinturas são descomprometidas com qualquer coisa, menos com a partitura e sua inerente musicalidade - sonho de boa parcela dos pintores da infância da abstração.

E por falar em abstração, não esquecer que Marcel se torna quase um bailarino etéreo, tanto na tela "Movimento", como no seriado das revoluções azuis, vermelhas, amarelas - todas compostas de cores primárias, puras, brilhantes e daí inapelavelmente sedutoras. Naquela e nestas, ao mesmo tempo em que parece estar concluindo a formação propedêutica, o artista se entrega a uma espécie de demonstração meta-pictórica, ensinando a quem assim o desejar o como e o porquê da pintura abstrata que, transcendendo e pulverizando toda a materialidade do mundo objetivo, alcança esferas místicas e teleológicas. Montado nas tintas, Marcel volteia pelo suporte, escreve e se inscreve nele, e deixa marcas e rastros no espaço, sinais daquilo que chamamos de liberdade. Temos certeza de que esse rapaz, dotado de espírito investigativo, irrequieto e sagaz, não nós deixará em paz. Que assim seja, pra o nosso prazer. É preciso, entretanto, que se olhe detida e repetidamente para as criações dele para lhes apreender o profundo significado humanístico/artístico de que são animadas.


Rio de Janeiro 2004.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico


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