"BAO CHI, BAO CHI", de Luís Edgar de Andrade / Editora Objetiva
Andrade exorcisa santos e demônios e passa a ânima e a guerra do Vietnam a limpo.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

"Bao Chi, Bao Chi" só é comparável aos melhores textos de Hemingway, tanto na economia vocabular como na eficiência dos diálogos" - diz Carlos Heitor Cony.

Já eu, após concordar em gênero, número, grau e o escambau, diria tratar-se de mais um desses livros que a gente, ao chegar ao final de sua leitura, acaba ... ficando com raiva deles. Por quê? Justamente por eles terem um final, quando o desejado seria que ele fosse adiado ad infinitum para infinitamente prolongar nosso prazer. Por, após cada página virada, (devorada!), a seguinte se revelar mais nutritiva e emocionante, mas, ao mesmo tempo, desgraçadamente, desfalcando o porvir. Por, depois da metade do livro, ficar claro que agora estamos montanha abaixo, que rapidamente suas páginas vão a contragosto se acabar e seremos abandonados pela amada amante. Isso, sem dizer que desde o início, e a toda hora, sentimos a irrefreável curiosidade de dar uma escapadinha à última página para antecipar o ápice.

Mas há como mitigar essa sensação de perda - após sorver a última página, fechar os olhos, descortinar os horizontes e, escolado e escoltado pelo correspondente Arruda, por alguns minutos saborear os territórios do desconhecido - ver o invisível. Depois é só (re)ler a segunda orelha, a contracapa e virar o livro 180º: aí, ao dar de cara com o o compenetrado Andrade e seu "tanque", gritar "Bao Chi, Bao Chi", por favor, não atire que eu preciso ler a história de novo. E de novo. Quantas vezes necessário for. Prazeroso será sempre. Afinal, assim caminha a humanidade - vivendo, morrendo e tornando a nascer para finalmente morrer quando do colapso do sol. Mas aí, talvez, os últimos já estejam em outros sistemas. É o que nos dizem os ancestrais Prometeu, Tântalo e Síssifo.

Duas citações nos fornecem as coordenadas da proposição de Andrade: na primeira, Michael Herr categoriza que o jornalista convencional foi incapaz de revelar esta guerra; na segunda, Gavin Young pitoniza que a guerra do Vietnam espera pelo seu romancista, que só um romance será capaz de reunir todos os aspectos da conflagração. Tombola! Quase quarenta anos depois, cumprida a devida quarentena do necessário distanciamento, chegou a hora, e já não era sem hora, temos o romance - "Bao Chi, Bao Chi", e seu romancista, Luís Edgar de Andrade, ele mesmo um veterano - correspondente! - de guerras pânicas, políticas, sociais, amorosas.

A senha, em Herr, é "jornalista convencional" e no ato nos remete ao profissional amarrado e amordaçado por releases, boletins e declarações oficiais que revelam o que convém e ocultam o que verdadeiramente interessa - a verdade. Essa mesma senha, em Young, se converte em chave: "reunir todos os aspectos", não apenas os "data" de obuses e baixas, de mapas da pró e contra-propaganda, franquear o acesso ao território virtual, interdito aos profissionais, mas não ao olhar de apaixonado espanto do escritor, que nele fará a leitura dos indivíduos - humanos, animais e vegetais -, cuja identidade e matéria, a carne!, foram seviciadas, esfaceladas, diluídas. Pequenos (?) dramas e tragédias de uma velha agachada mijando no quintal, perscrutando os céus e amaldiçoando-os por estarem povoados, não de pássaros e anjos, mas de demoníacos helicópteros e arrasadores bombardeiros B52.

O que estou fazendo aqui? - angustia-se a toda hora o irrequieto intelecto do correspondente Arruda como se parte não fosse. E aquela menina que o repórter flagrou, nuinha por queimada de napalm e com a expresão do horror à humanidade, a correr pela estrada, será parte? A questão é prejudicada. E seria prosáico e cruel demais dizer que alguém tinha que estar lá e sobreviver para contar a história. Não, Arruda, como todos, não foi testemunha, foi vítima e algoz - e a ciência disso dói em sua consciência enquanto beberica e namorica pelos bares de Saigon, ou se borra nos fronts e nos bunkers. Ele que antes de tudo é um corajoso. Para suportar, faz comentários bem-humorados e espirituosos, brinca. A resposta ao Weltschmerz de Arruda e dos poetas e filósofos alemães vem agora na forma desse livro pleno de ecos humanistas. Para nos clarificar a obtusa mente e comover até as lágrimas.

Luís Edgar de Andrade, que foi idealizador e realizador do canon jornalístico brasileiro, consegue agora o prodígio de, logo com seu romance de estréia, brindar-nos também com os parâmetros do bem-escrever e da arte literária. Linguagem enxuta, pequenos capítulos como peças de um quebra-cabeça, cortes cinematográficos, diálogos ágeis e dinâmicos (estamos em guerra!), sutil humor e espírito afirmativo são suas ferramentas para, descartando adjetivos e advérbios não absolutamente necessários, criar um sólido substrato e calcar os substantivos concretos e os verbos de ação. Tudo sem prejuízo material, ao contrário, realçando a dramaticidade impactante, intrínseca ao enredo. Ciente, porém, e com toda humildade, de que a dor é proprietária e intransferível.

"Bao Chi, Bao Chi" é livro destinado a ser habitante de mesinha de cabeceira e vademecum de todo aspirante às artes do jornalismo e da literatura.

Os que já são do métier ver-se-ão farta e originalmete retratados, quase biografados.

Mas o ganho maior será o do leitor comum - um privilegiado degustador, em primeira mão, da notícia do romance de puro deleite e sumo prazer, inalienáveis.

Rio de Janeiro 2002.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico => E-mail


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