| Leopoldo Martins - Esculturas |

O "rei" da... selva.

Dívida animal - O resgate da arte
ou
As feras encantadas - do jângal para a sala de visitas!

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Leopoldo tem o leão no nome e, por certo, também na alma, já que a segunda parte do binômio nos sugere a coragem, o destemor, a ousadia e ainda o 'atrevimento'.

Faço esse pródromo porque ter como profissão a escultura, por aqui, é coisa muito ingrata! Poucos se atrevem a ela se devotar. Questões de tradição, carências materiais - financeiras e econômicas, falta de incentivos, descaso e descalabro. Certamente, ausência de criatividade para um povo artista, por índole e necessidade de sobrevivência absoluta, não é! Mas que a escultura é arte das mais nobres, a criação por excelência, (o que os gregos muito bem sabiam e sentiam a ponto de dela fazerem seu signo) isso ninguém discute.

Esse segundo preâmbulo é pra justificar a grande excitação que me causou a notícia da exposição de Leopoldo, no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, ainda mais em se tratando dos grandes felinos! Existe algo mais fascinante, sensual e sedutor? Enlouquecedor?! Por dias, semanas, aguardei com ansiedade o apoteótico instante que, eu, por alguma estranha premonição, sabia, não me iria desapontar: teria que ser insano esse Leopoldo para empreender uma demiúrgica tarefa dessas e ficar aquém da mater natura. Muito além teria ele que mirar e acertar ao lançar o esperma da criação em campo cálido, úmido e fértil.

Chegando ao Belas Artes, dominado por uma discreta, porém, insistente palpitação, escalei liturgicamente o tapete vermelho como se ele fosse me conduzir ao encontro do Fazedor. Mais uns passos emocionados e já da porta da nobílima Galeria Bernardelli fotografei com a rolleyflex dos meus descrentes olhos a suprema visão do poderoso que, na verdade, eram dois - o leão e a leoa, frente a frente, ambos sobre, como convêm a reis absolutistas, tapetes : vermelhos e redondos. Aquele, languidamente deitado e qual esfinge a ponderar sobre o incognoscível e guardar segredo da revelação; aquela, a matriarca, em pé, com o desavergonhado rabo enrodilhado no alto, totalmente exposta e, ao mesmo tempo, farejando longe a presença do sangue da vítima e do benfazejo esperma do macho, das suas amorosas mordidas no pescoço e das suas potentes patas no lombo, a ferramenta ardente a queimar as entranhas, a fundir os dois em um - na viagem para o futuro.

Silenciosa e hieraticamente, olhei para a direita, olhei para a esquerda, e a povoação do generoso espaço me fez sentir em um mini-zoo virtual - as peças, quero dizer, os grandes e ferinos felinos de Leopoldo pareciam flutuar no diáfano ar e, a um tempo, absolutamente reais e armados, prontos para dar o bote, fosse sobre a vítima - um apetitoso veado, por exemplo -, fosse sobre a fêmea e por que não? sobre o macho, já que em ambas as investidas satisfariam a ancestral e imperiosa fome - disto e daquilo. Tal a presença material da expressão que Leopoldo a seus primevos instintos havia conferido, que não me contive - fui assaltado pelo ímpeto de gritar, melhor, urrar! Contido, porém, pela censura, ali o urro era atributo proprietário dos florestais, me dirigi à recepcionista e perguntei em tom de secreta cumplicidade: você não está com medo?! Ela me perscrutou como se ingênuo ou bobo fosse, ameaçou um ironicamente monalíseo sorriso e, lançando a vista na diagonal sobre as feras, plácida, comentou: "Esses aí não mordem ninguém!".

Daí em diante, foi tudo festa e exaltada exultação. Em devotada peregrinação, aproximei-me de cada um deles, examinei-os atenta, respeitosa e carinhosamente, enderecei-lhes algumas palavras de afeto e amizade, acariciei-os sensualmente e dei-lhes uns tapinhas nervosos, porém, amistosos - nas bochechas, nas vigorosas espáduas, nos receptivos e acolhedores lombos, nas despudoradamente salientes e convidativas ancas.

Mas não eram feras, plenas de voracidade e ferocidade, de patas garradas e dentes perfurocortantes!? Não, Leopoldo, o encantador de feras, os havia feito transcenderem os próprios instintos. Caracterizou-os assim, não com o estereótipo, mas com o que eles possuem em profusão - ressaltou-lhes a docilidade, o porte, a elegância, a beleza; e isso, sem nenhum prejuízo da força e da agressividade; vê-se que ele não pretendeu a criação de espécimens naturalistas, para isso falta-lhes detalhamento; manteve a configuração original nos limites do estritamente essencial - são reconhecíveis, transpiram verdade, fome e desejo; tudo sublimado ou em controlada latência, uma espécie de repouso alerta e quietude atenta. Não importa se deitados, sentados ou em pé, eles exibem subliminarmente a dinâmica da musculatura, os rabos retorcidos, as cabeças direcionadas para algo que não vemos, apenas intuimos, as potentes patas, as afiadas garras, os sedentos dentes; mas, como disse a moça, eles não mordem ninguém - pelo contrário, e apesar de parecer contra-senso, eles apaziguam, nos levam a reflexões sobre a paz e a guerra, o ser e o nada, a existência e seu significado.

Os grandes felinos de Leopoldo são leões e leoas, tigres, pumas, onças pintadas, jaguatiricas... São grandes, médios e pequenos. São ora brônzeos e ora marmóreos. São lisos, patinados, e, onde necessário, significativamente texturizados. São animais que, como nós, que desprendidos da terra estamos no espaço, abandonaram o jângal e se refugiaram no peito dos seus matadores - os humanos. Tanto que ali estavam, no coração do Belas Artes. Sintomático? Virar peça de museu era o destino deles? Parece inevitável, já que, vivos, a eles agora só restam o circo ou a clausura dos zoos. Leopoldo, de forma criativa, resgatou e preservou-os para a posteridade.

Fosse eu magnata e os teria ali no ato adquirido todos e instalado, não na fazenda, no sítio ou no jardim, mas em plena sala de visitas. Para que crianças, adultos e velhos com eles pudessem brincar, deitar e rolar, e com eles aprender lições de civilidade, docilidade e elegância.

Soube depois que Leopoldo, como tantos outros mestres ao longo dos últimos mil anos, começou a carreira artística como desenhista de jóias. Melhor escola e aprendizado não poderia ter tido, já que, quem no mundo micro sabe desenhar e esculpir filigranas e iluminuras, torna-se capaz de criar qualquer coisa em qualquer tempo e meio.

Os felinos de Leopoldo são jóias em escala monumental.

Atualizando: Como todo criador, Leopoldo expande o repertório de sua arte e agora já está esculpindo, além de cabeças de Guinus Africanos, também figuras humanas, começando, claro, pelo sedutor corpo feminino e o faz muito bem feito - com a recomendável suavidade, mas também com a necessária força. Será exagero dizer perfeito?! O leitor verá as primeiras fotos do portifólio, a seguir, e dirá o que salta aos olhos e ao coração.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > E-mail






























































Fotos: divulgação

Rio de Janeiro 2003


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©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico > Email
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