José Maria Dias da Cruz


Cézanne e a superfície do quadro e o plano (a atmosfera) a sua frente.


Frases de Cézanne:

“Tratar a natureza através do cone, da esfera e do cilindro, [...].”
“Os corpos na natureza são todos convexos”
“Entre o objeto e o pintor se interpõe um plano, a atmosfera.”
“A Natureza é mais em profundidade que em superfície.”
“Quero chegar a perspectiva unicamente pelas cores.”
Frases de Braque:
“Não é o bastante fazer ver o que se pinta, é preciso ainda fazer tocar.”
“O espaço visual. O espaço tátil. O espaço manual.”

Desdobramento
Percebemos uma superfície não em duas dimensões, mas em três, sendo que a terceira é dada pela distância entre o observador e essa superfície. Na medida em que se aproxima dessa superfície, mais presente vai se formando a necessidade de tocá-la, ou seja, mais o tátil se manifestando. Mais próximo ainda, chega-se ao espaço manual. Isso nos remete ao que Poussin afirma sobre as diversas distâncias quando nosso olhar é prospectivo. Essas distâncias demonstram que quanto mais afastado o observador estiver, mas o espaço é visual. Com a aproximação chega ao espaço manual passando pelo espaço tátil.
Se compararmos os dois quadros de Cézanne com um de VanGogh podemos perceber que o espaço plástico cezanneano acontece à frente do quadro, e nesta atmosfera a que ele se referia, enquanto que em Van Gogh o espaço acontece além da superficie do suporte como ilusão. Cézanne rompe com o conceito do espaço plástico proposto por Alberti. Creio que isso pode nos levar a uma investigação mais profunda das descobertas cezanneanas, inclusive para entendermos os valores hápticos que são uma das propostas destas observações.
O que temos que investigar de início: o que ocorre neste plano que se interpões entre o modelo e o pintor? Mas se deve anotar que Cézanne conseguiu chegar a esse olhar pesrpectivo unicamente pelas cores. E um olhar, nesses últimos quadro, já totalmente desligado de quaisquer resquícios da perspectiva renescentista.
Aqui um parêntesis. Na geometria euclidiana os sólidos geométricos são acromáticos, portanto, abstrações, uma vez que na natureza, segundo Cézanne, tudo está colorido. E mais ainda. Para ele cor e forma são uma só coisa. Daí ter dito que “quanto mais a cor se harmoniza, mais a forma se precisa.”
Se observarmos esses dois quadros de Cézanne, realizados em sua maturidade. Veremos que o espaço plástico de manifesta como uma superfície com vários acidentes sobre o plano do suporte projetando-o para frente, vindo a coincidir com este no qual nos orientamos. Como as cores são concretas adjetivas, têm uma dimensão temporal, surgem pequenas superfícies ora cônicas, ora cilindrícas, ora esféricas (uma das formas das pequenas sensações?), pequenas superfícies em constante transformaões. Como estamos de tal forma condicionados a pensarmos no espaço a partir daqueles sólidos geométricos, temos que fazer um certo esforço para percebermos a como Cézanne rompeu com padrões culturalmente internalizados em nossos espíritos.
Para melhor percebermos o que tento mostrar, podemos comparar esses quadros de Cézanne com a paisagem de Van Gogh. No quadro deste o espaço plástico está ainda alem da superfície do suporte, e nelas uma série de acidentes mas sem uma dimensão temporal. Tai8s fenômenos não se dão às explicações racionais e ao discurso verbal – pertencem unicamente ao pensamento plástico.
Estas anotações, assim, ficam por aqui. Que o olho as faça perceptíveis, é o que pretendemos.

José Maria Dias da Cruz, Florianópolis, setembro de 2012


Livro "O cromatismo Cezanneano" by José Maria Dias da Cruz / Florianópolis, Ed. do Autor, 2010

Os estudos cromáticos de Cézanne, sob o olhar atento de José Maria Dias da Cruz

"O artista não é um ego, é um eco". Nada mais pertinente que utilizar esse pensamento do próprio José Maria Dias da Cruz para apresentar o autor de "O cromatismo cezanneano", outro dos tantos ecos reverberados pelo artista nascido no Rio de Janeiro em 1935, filho do influente Marques Rebelo, que colocou o filho em contato direto com importantes nomes da arte brasileira: Di Cavalcanti, Iberê Camargo, Pancetti, Milton Dacosta, Tarsila do Amaral. "Ele me ensinou a ser generoso", fala sobre o pai. Citado entre os 70 artistas brasileiros mais importantes do século XX, José Maria é considerado um "artesão" da pintura, tamanha a carga teórica e intelectual com a qual atravessa o manuseio das tintas e das cores. "É um pensamento cromático, altamente emotivo, que se desenvolve em cada uma de suas telas", escreve Luiz Camillo Osório.

Cristina Pape é quem vislumbra alguns dos questionamentos essenciais postos pelo autor em ‘O cromatismo cezanneano’: ‘Onde se encontra aquilo que não sabemos explicar mas que podemos sentir e que os pintores sabem procurar?’ e chega à mesma conclusão que outros artistas, mesmo os que não se debruçam no colorido das telas: ‘Existe alguma coisa que vemos mas não percebemos claramente e que transforma a realidade, sempre’. O livro mais recente de José Maria Dias da Cruz, como consta da última página, foi realizado ‘pela Premiação do Edital Elisabete Anderle de Estímulo a Cultura’, o que desde já denota a sua grande relevância para o reduto artístico.
José Maria Dias da Cruz, um pintor renomado que escolheu a ilha-maravilha para fixar seu ateliê, é um estudioso da cor, ou, aliás, estuda o que gera a cor, o que existe antes da cor para que possamos vê-la, a base que está oculta por trás de toda cor, o miolo, a matriz do que podemos perceber com essa ferramenta espetacular e única: os olhos. Já publicou ‘A cor e o cinza’ e ‘Interiores de reflexão‘ e tem quadros espalhados pelos melhores museus e galerias do Brasil.
Em ‘O cromatismo cezanneano’, sua percepção primeira é a de que, como Paul Cézanne intuía, a cor existe a partir de algo impalpável e indefinido que lhe é subjacente, e pode ser reduzida à pura matemática. Intuía, mais, que a cor varia especificamente com a precisão de cada uma de nossas ferramentas. De fato. A cor pode variar com a luz (brilho), com a distância de observação (a atmosfera altera a coloração), com o tempo de observação, com o grau de defeito da ‘ferramenta’, bem como com as demais cores constantes e próximas (contraste), e, óbvio, com a mistura pigmentar da paleta. Os exercícios de trompe l’oeil sugeridos pelo autor e as incríveis xilogravuras de Escher (vide site oficial) não mentem.
José Maria, seguindo as pistas de Cézanne e outros pintores que o estudaram, afirma que ‘o cinza onipresente está em um local indeterminado’. E se põe a pensar sobre como a pintura e outras artes são feitas de contrastes, de inter-relacionamentos, rompimentos e escolhas. Se pintar é contrastar, sendo a pintura uma das Belas Artes, até que ponto escrever também não é um exercício de contrastar, dialogar, experimentar limites e influências?
Não só músicas e poemas podem ser enigmáticos, mas a percepção das cores também. Como a pesquisa de psicólogos gestálticos e a conclusão de Gauguin mostram, a cor também é um enigma, eis que é paradoxal, relativa, nunca absoluta e única: refere-se mais à percepção do indivíduo, do que a si mesma.
Se a cor não é absoluta e se, ainda mais incrivelmente, pode ser dividida em sub-tons até o infinito – ou até o cinza sempiterno -, é de se perguntar: você confia no que vê? Com esses e outros questionamentos, José Maria sai da pintura, atravessa os limites da tela, e vai buscar o verdadeiro móvel da Arte.
A Arte, além de ser intangível, é também infinita na medida em que a última pincelada (assim como a última correção de um poema), na verdade só existe como gesto. Apesar de o pintor dar a sua ‘última pincelada’, a tela (o poema) continua mudando, seja conforme a interpretação de seus espectadores, seja como produto de um pensamento que pode se relacionar e se atualizar de acordo com novos paradigmas de reflexão.
Após estudar a estrutura cromática da última obra de Cézanne, ‘A cabana do Jordão‘, José Maria aprofunda a discussão acerca da confiança exagerada que depositamos na visão, muito mais do que na intuição e na percepção, essas duas domínios inequívocos da Arte. É de se levar em conta a limitação do órgão (o olho), a diferença da cor gerada pela luz e da cor gerada pela pigmentação, com as pós-imagens e serpenteamentos, com o espaço, o campo visual, a perspectiva, a impossibilidade de se reproduzir fielmente um colorido, sob pena de ele distanciar-se da característica da imagem natural.
O artista tem uma sensibilidade especial, já diria Cézanne e agora repete José Maria, seu saudoso discípulo. A pintura, para ser Arte, não é deve ser apenas uma reprodução fidedigna do instante: para isso já existem as câmeras, filmadoras e telefones celulares. A pintura, assim como as outras artes, e para continuar ela mesma uma Arte, deve ser uma provocação: de ânimos e reflexões, de sentimentos e atitudes. Assim é que José Maria sai da pintura e vai para a literatura, poesia e filosofia, tentando, através de outros caminhos, compreender a própria fenomenologia da arte.
Como ele intui, para descobrir a pintura é preciso procurar o que vem antes, o que precede à pintura, o que se quer dizer ou mostrar através dela, o que antes eleva o braço do pintor à tela. É preciso, pois, investigar o místico de unicidade que cada tela encerra, a criação ímpar do que não há no mundo (pois imitar o que há é permitir a morte dupla do objeto) e que, sendo criado, irradiará eternamente em graus, cores e níveis distintos.
Ao fim do livro, José Maria nos presenteia, em papel couché, com suas assemblages (estudos anteriores aos quadros) e as telas de Cézanne, Degas e Chardin, estudadas em sua obra.
Paula Cajaty, poetisa.


A COR E A PACIÊNCIA DE BRAQUE

George Braque – A paciência

A cor é dentro do pensamento verbal e dentro das lógicas decorrentes desse pensamento, impossível de ser racionalizada. No século XVIII criou-se um círculo cromático no qual as cores eram classificadas em primárias, secundárias e com valores absolutos, etc. com a pretensão de explicar todos os fenômenos cromáticos da Natureza e, assim, aprisioná-las dentro de uma mentalidade quantitativa na medida em que ficavam subordinadas às formas, estas mais racionais. Com isso, ficou eclipsada a possibilidade de se pensar as cores e o colorido fora do modelo imposto por este círculo. Além do mais, este círculo cromático é regido por uma lógica que criou os conceitos de cores puras, pastéis e neutras, e assim, atrelando as questões cromáticas ao discurso verbal. Dentro do pensamento plástico a cor é enigmática, portanto passível de ser percebida por uma outra lógica, como diz Cézanne, nada absurda.
Vale ressaltar que a partir desse círculo classificamos as harmonias em termos absolutos e em conseqüência, igualmente as cores. O mesmo em relação aos contrastes. Todos com valores absolutos e estáticos. Nesse círculo as cores são explicadas pelas misturas pigmentares, as quais foram mais tarde denunciadas por Duchamp. Claro, estudam-se alguns outros fenômenos como os contrastes simultâneos, por exemplo. Mas na base está um pensamento lógico, atualmente questionado, decorrente do discurso verbal. A partir desse círculo cromático classificaram-se as harmonias, por exemplo. Estas seriam consoantes, dissonantes e assonantes. (No pensamento plástico como a cor pode ser assonante ou neutra, vale dizer, uma não-cor?). Essas harmonias consideram uma mentalidade quantitativa, ou seja, explicam-se considerando ritmo como recorrência pressentida, que é racional e a cor ficando subordinada às formas. E assim bem longe do que Cézanne nos adverte: “Na natureza tudo está colorido.” A partir do círculo cromático absoluto ficamos presos à lógica aristotélica. Ou seja, à lógica do terceiro excluído, lógica esta que afirma que uma coisa não pode ser verdadeira e falsa simultaneamente. Esse círculo excluiu o que hoje nos é familiar, as incertezas.
Assim, fugindo deste aprisionamento, nos meus estudos descartei o círculo cromático que classifica as cores em primárias e secundárias. Descartando-se o círculo cromático absoluto, como, parece-me, também o fez Cézanne, passamos a considerar um terceiro termo. A dimensão espaço-temporal da cor, pelo rompimento do tom, que nos permite entender o cinza sempiterno como um pré ou pós-fenômeno. Vale dizer, um cinza que não existe, mas que se manifesta na natureza. Isso nos aproxima a cor e o colorido da lógica do terceiro incluído, sendo o terceiro um termo que se refere às diversas dimensões embutidas na fecha do tempo como informação. Escrevi um livro intitulado A Cor e o Cinza utilizando-me, é claro, da linguagem verbal Nele refiro-me ao conflito entre a percepção sensível e a linguagem. Neste livro, para reforçar a disparidade entre a cor e o nome que lhe damos, cito o filósofo Mário Guerreiro, que diz:
“Sim, pois onde estão as cores puras no mundo percebido? Na verdade, elas pertencem ao mundo nomeável, mas esse mundo nomeado reparte o mundo percebido e o organiza de acordo com essa coisa enigmática que é o critério de relevância implícito na língua estruturada. Parece que se abre um abismo entre a percepção sensível e a linguagem, entre as qualidades percebidas e as qualidades nomeáveis, mas ficamos em dúvida se deveríamos concordar com a idéia de que o percebido só se faz passando pelo crivo na nomeação, como se a linguagem estivesse filtrando a percepção, canalizando-a no sentido de só poder captar certos padrões em detrimento de outros. Com certeza este é um problema que teria de ser colocado para uma fenomenologia, onde uma incursão nos domínios da pintura seria, certamente, bastante esclarecedora.”
Nesse sentido, podemos fazer com que haja uma convivência entre a percepção sensível e a linguagem verbal. Neste caso, consideramos a cor abstrata substantiva, que subsiste por si mesma na medida em que sua substância não se altera, é nomeável e é uma idéia platônica, e a cor concreta adjetiva, cuja condição é ser no colorido e está sempre se rompendo, possuindo uma dimensão temporal. Podemos, assim, lidar simultaneamente tanto com a percepção sensível e a linguagem verbal. Procurei através do estudo das questões que os pintores discutiram chegar ao pensamento plástico. Apoiei-me em Poussin que se refere a um ver prospectivo, além de um outro que considera apenas o aspecto dos objetos. Por esse olhar prospectivo Poussin considera o saber do olho, os eixos visuais e as diversas distâncias. Braque diz que explicar uma coisa é substituir a coisa pela explicação. No meu livro caí, em parte, nessa sutil observação. Acabei substituindo a coisa pela explicação. Só me foi possível fugir desse impasse nas aulas, nas quais procurava um desenvolvimento do pensamento plástico no qual substitui a explicação pelo ato poético ao mostrar aos alunos a possibilidade de se ver prospectivamente. O ato de olhar permite a experimentação e, obviamente, o ato poético, criativo, etc.
Estudei, sobretudo, a obra de Cézanne que afirmou que a luz não existe para o pintor, e, conseqüentemente, tem que ser substituída por uma outra coisa, a cor. Portanto o mestre de Aix não se interessou pelo cromatismo impressionista. Disse mais ainda, que somente um cinza reina na natureza dificílimo de se alcançar. Não se trata obviamente de um cinza baseado na mistura do branco com o preto, pois esse não oferece nenhuma dificuldade. Digo que Cézanne nos preparou para pensar no cinza sempiterno, como passei a denominá-lo.
Cabe enfatizar, que o cinza sempiterno não existe. É um pré ou pós fenômeno. Acrescento agora que ele não é objetivo. Talvez seja apenas uma lógica. E mais, talvez nos faça compreender Cézanne quando ele afirma que a arte é uma religião. Ele, o cinza sempiterno, se manifesta na natureza. Será que podemos afirmar que essa manifestação pode nos levar a considerá-lo como uma manifestação de uma das faces de Deus?
Além dessas questões, incluiu-se na lógica da cor a questão do serpenteamento vinciano. Leonardo no Tratado da Pintura diz que devemos observar com muito cuidado os limites de qualquer corpo para julgar se suas voltas participam de curvaturas circulares e concavidades angulares, uma questão bem mais complexa do que afirmar, como se vê nas histórias das artes, que ele introduziu na pintura o esfumato. Este é apenas um procedimento e não uma questão teórica.
Sobre esta questão vale citar a famosa frase de Cézanne na qual ele reforça que tratar a natureza através do cone, esfera e cilindro não implica em uma geometrização considerando esses sólidos geométricos como os que possibilitam a construção do espaço pictórico tomando-os como formas históricas da construção deste espaço. Além do mais Cézanne afirmava que queria chegar à perspectiva unicamente pela cor. Interessante é que podemos compreender a afirmação de Duchamp na qual diz que o cubismo tem inicio em Cézanne, e passa pelo fauvismo, (em minha opinião, sobretudo por Braque).
Consideraríamos a geometria dos fractais, e novamente o cinza sempiterno, que estaria presente tanto no todo como nas partes. Assim em uma fração teríamos também um elemento contido no todo, no caso, o cinza sempiterno. Daí poder-se dizer que as partes são maiores que o todo. Consideraríamos, também, a teoria do caos, e a partir daí pensaríamos no processo contínuo de organização e desorganização quando estados de entropia máxima são observados, o que metaforicamente nos levaria a considerar a questão de vida, morte e ressurreição.
Tudo isso nos permite realmente pensarmos em uma geometria das cores considerando-se entre outras a topologia na qual, além das transformações e deformações contínuas, o cinza sempiterno seria uma fronteira. Ou na geometria dos fractais e novamente aquele cinza lhe dá consistência.
Podemos imaginar também que essas surdas questões pertinentes ao pensamento plástico e, por extensão, às artes visuais, poderão, talvez, ser mais bem compreendidas pelas geometrias que hão de vir. Como, por exemplo, uma geometria das cores.
De resto há que se ter paciência.
José Maria Dias da Cruz - Março de 2011


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