Jorge Manrique - Undo (Cntrl.z)
Desfazer o mal feito.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Undo_contrl.z Você entra no intimista retângulo da imaculada e mínima galeria e é tranqüilamente assaltado pela impressão de que está cercado por todos os lados por uma terrível assemblage (não se iluda imaginando-se o centro admirável dos acontecimentos, você (e eu) é, isso sim, o réu, não o rei, nu e em destaque).

O auditório (a banca dos jurados) é composto por respeitáveis painéis resultantes de colagens de fotografias, recortes de jornais e revistas, desenhos, cartões, cartuns, rascunhos, rabiscos, que narram e representam dramaticamente, e por vezes com bom humor e espírito afirmativo, as dores e os sofrimentos da recente história da humana humanidade.

Se estudante de história Manrique fosse, a sinuosamente ofídica obra, que ao nos abraçar nos arrepia, em nós se enrodilha e estrangula e nossos ossos quebra, qual um gigantesco "Boa Sisfinctor", certamente lhe serviria como tese de mestrado e lhe granjearia o "cum laude".

Mas é artista, e dos mais sensíveis, e como fotógrafo, nada lhe escapa - dispara sua máquina qual metralhadora automática e nos inunda e nos invade e nos massacra com proposital volume e enxurrada de informações comoventes e tristemente espetaculares - uma feliz alusão à sociedade de espetáculo, um circo bufo, talvez, de que lamentavelmente somos cúmplices e, daí, réus, não primários, já que contumazes e reincidentes nos repetidos erros da história, que assim e então se torna farsa, no dizer de Marx.

Não bastasse Timur, o Coxo, que construía pirâmides com os milhares de crânios dos vencidos, o cenário de Manrique é dominado pelo único retrato de dimensões super-hiper-realistas em meio à banalização e pulverização dos demais - nada menos nada mais que o de um bem apessoado e asseado e até bonito Hitler montado (talvez com partes de cada um de nós), um poderoso chefão, amável e bondoso, que gostava de crianças e de festas e de flores acompanhadas dos frios beijos da morte.

Além dos painéis, Manrique exibe fotos/pôsteres de tamanho avantajado e de teor e significação emblemática. Num, o close do cano de um revólver hiper-dimensionado aponta para algum lugar, que tanto pode ser você e eu, ou, olhado para a diagonal e sintomática direita, onde, quem vemos? o Bush que prioritariamente está na mira. Ele que, não tendo nascido no tempo das carruagens e dos caubóis para massacrar índios, massacra os orientais, próximos e distantes. Ele, com expressão sardônica, está segurando algo apontado para o alto - parece ser o seu "taco", mas não, não é o músculo, que este, tanto quanto os neurônios, foi afetado pelo exagerado álcool, razão de sua frouxidão, compensada por guerras; o objeto em questão é metálico e inanimado, pronto para ser desferido sobre a cabeça daqueles povos miseráveis - é a espada de Alah, na inversão desses ridículos papéis. Se não é vera a disposição contrapontual desses dois pôsteres, é sem dúvida "ben trovatta", e valoriza a curadoria, não sei se do próprio artista ou da encantadora dupla Kitty/Michele, engenhosas idealizadoras do onírico espaço expositivo que, além de multimidiático, é também gastronômico e dispõe até de um chef-de-cuisine - o charmant Pablo. Très chic!

"Undo", diz o título, outra jóia de criativa inventividade, acompanhada, entre parêntesis, pelo atalho 'contrl.z' (ou Ctrl+Z), que na informática vem a ser "Desfazer" o feito - no caso, vê-se claramente, foi e continua sendo mal-feito. Re-escrever a história ou redirecioná-la? Apagar tudo e começar de novo, do ponto zero da existência? É sem dúvida uma ficção tentadora e Manrique sabe disso. Mas também está ciente de que a vida imita a arte, nunca! ao contrário, sob pena de não-arte. Tanto assim que não quer salvar o mundo - ele apenas deseja nos estressar, angustiar, saturar, e não só isso, acho eu, ele quer mais, muito mais - quer fazer uma arte que transcenda a esfera do individual e tenha alcance social, universal! Erramos, confessa e, apesar da brutalidade das imagens e do aparente propósito agressivo, nos endereça um gentil e delicado convite - sejamos corajosos e tentemos mudar a rumo de nossas vidas. E tomando a dianteira, com esse seu emblemático e muito bem-feito trabalho, lança as sementes! Cabe a nós acolhê-las.

Sendo verdade, e frequentemente é, que uma imagem vale por mil palavras a obra de Manrique vale por toda uma enciclopédia - a da humana tragédia.

(Não que seja obrigatório, mas é sempre louvável e visceralmente desejável encontrar artistas que tenham esse tipo de sensibilidade e responsabilidade social, artistas que enxerguem além do próprio nariz, do próprio umbigo e das próprias tripas. E é aí, mais e melhor do que nunca, que a arte cura - metapoema que infiltramos no nome do jornal).


Rio de Janeiro 2004.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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