"Homens brancos k ñ andam ...", de João Castro Silva.

... porque ñ sabem, ñ querem, ñ conseguem e ñ podem.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

O sensível e talentoso artista português, João Castro Silva, que recentemente expôs no Museu de Belas Artes/RJ, acaba de inaugurar mais uma mostra, desta vez em sua Lisboa natal. Lembramos que, na temporada carioca, o público visitante ficou encantado com sua instalação "Relação", composta de esculturas de madeira representando homens nus em busca de comunicação e diálogo - que é o que todos desejam mas nem todos para tanto se empenham. Eram construções hiperdimensionadas, exalando força, tensão dinâmica contida e controlada - os braços apaziguadoramente cruzados à altura do peito -, e a um tempo pacíficos e contemplativos. A identificação e a empatia, ainda que sob o impacto da reverência, diante da postura quase hierática dos seres, eram estabelecidas instantaneamente e fluíam por canais de livre trânsito estético.

Agora, dando continuidade à sua devassa das forças luzentes e tenebrosas que movem o cerne emocional e intelectual do homem, Castro nos fala do drama que nos submete e subjuga. Os homens da atual exposição, ainda nus e ainda de madeira, estão distorcidos e contorcidos, altos e magros, os braços soltos expressando perplexidade, aporia, desconfiança, desânimo, como as enfermiças figuras de Giacometti, e o pior - não andam, não falam, não fazem isto nem aquilo, nada. Não podem porque não querem ou são impedidos? O artista nos dirá com sua poética muito lúcida, consciente e proprietária:

"'Aquilo branco com uns homens que não andam'. A procura de um conceito que caracterize escultura, de uma criança de três anos, apropriada e aplicada às formas com que nos relacionamos.

Cada vez mais as relações se empreendem através de meios impessoais em que o contacto directo, humano, é anulado. A universalidade e a facilidade da comunicação obrigam a uma nova linguagem. São novos códigos induzidos pelos modernos meios de comunicação que nos coagem a reinventar linguagens e alfabeto.

Vivemos um novo tipo de humanidade. Não nos vemos, não nos cheiramos, não nos tocamos, não nos conhecemos. Comunicamos através de máquinas que desvalorizam, e anulam, as características que nos definem como seres intuitivos.

Consumo e desperdício levam-nos a interrogar o excessivo emprego de meios e recursos que temos vindo a utilizar ao longo deste último século, mas apenas conseguimos economizar naquilo que poderia ser a solução para essas questões. Economizamos em nós, como Homens, para gastarmos em nós como indivíduos.

Homens brancos k ñ andam porque ñ sabem, ñ querem, ñ conseguem e ñ podem."

Como que para ilustrar suas criaturas, o artista recorre ainda a outro poeta:

Ao rosto vulgar dos dias / Monstros e homens lado a lado, / Não à margem, mas na própria vida. / Absurdos monstros que circulam / Quase honestamente. / Homens atormentados, divididos, fracos. / Homens fortes, unidos, temperados. / Ao rosto vulgar dos dias, / À vida cada vez mais corrente, / As imagens regressam já experimentadas, / Quotidianas, razoáveis, surpreendentes. / Imaginar, primeiro, é ver. / Imaginar é conhecer, portanto agir.

In, O'Neil, Alexandre, O Reino da Dinamarca

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"RELAÇÕES" de João Castro Silva.

"E João criou o homem. Nu!"

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

"Qualquer forma de expressão artística é gerada numa relação. Relação entre a idéia e sua formalização. Relação da matéria com quem a trabalha. Relação do autor com a sua obra. Relação do objeto com o espaço. Relação da obra com quem a vê. Relação entre quem cria e quem frui.

"Uma relação é perturbação, acrescento, mudança. Um permanente confronto, desassossego, inquietação. Condição de vida. Desafio. Relação é nunca estarmos sós. Relação é nunca podermos deixar de ser sós. [...]"

É com essas palavras que João Castro Silva, o jovem escultor português, inicia a apresentação da instalação "Relação" que ele inaugurou no dia 10 de agosto no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Os termos que ele usa são reveladores.

De fato, o trabalho dele é perturbador e inquietante. Interessante e impactante - nas palavras da bailarina Ana Botafogo, conhecedora profunda da quietude e da dinâmica do corpo, que examinou atentamente e de cima abaixo as sobre-humanas criaturas; de Nelson Delgado, professor de pós-graduação na universidade; e de todos quantos lá estiveram e se assombraram com a originalidade e criatividade do pioneiro e ousado artista.

A instalação de Castro Silva é constituída de seis peças de escultura - seis homens nus, de 220x70x60, que ele construiu colando pequenos pedaços de diferentes tipos de madeira e fixando-os com pregos de metal e também de madeira para lhes conferir maior estabilidade. Além das dimensões descomunais, o que nos impressiona nesses homens nus é a postura e a configuração de sua situação - cinco deles, com os braços cruzados à altura do peito, estão em formação circular como se em reunião secular ou em em ato sacerdotal e hierático - uma comunhão. Pergunto se cabe um paralelo com as eculturas-pedras de Stonehenge e Castro Silva cofirma que sim, também havia pensado nisso, mas sem nenhuma carga mística. Já o sexto homem, com uma mão segurando o pulso da outra, em posição de relaxamento, diante da genitália e com a barriga levemente saliente prenunciando uma estranha e sintomática gravidez, está afastado do grupo e solitário, como se os observasse e avaliasse a oportunidade de se aproximar e estabelecer o diálogo.

Sim, porque, embora silenciosos e mudos, percebe-se nas feições dos homens nus de Castro Silva um intenso intercâmbio e absoluta serenidade. E força, muita força, tanto muscular como de personalidade, que emana de sua arquitetura, toda ela linear e angular, como é próprio do masculino. E isso apesar da aparente fragilidade pois há intencionais buracos e áreas vazadas aqui e ali na estrutura que poderiam passar a sensação de que um ventinho qualquer, uma chuvinha à toa, ou um simples empurrão, os faria desandar. Mas não, ele são sólidos como sólido é seu princípio criador sobre o que repousam.

Onde estão as mulheres desses homens? Castro sorri condescedente e diz que já fez também esculturas de mulheres em outras ocasiões e que desta vez optou pelo homem nu. Homem homem ou homem humano? Isso não faz diferença, já que todos eles são uma representação de mim mesmo, de meu inconsciente.

Já expôs em ouros países? Não, esta é a primeiríssima mostra internacional que Castro Silva empreende. Digo-lhe, então, que começar pelo Rio de Janeiro foi uma escolha acertada e será de bom augúrio, pois este é um lugar acolhedor, de muita sensibilidade e receptividade para toda manifestação artística original e vanguardista, verdadeira e autêntica, como a dele, e que lhe abrirá as portas para o mundo. Ser laureado aqui lhe servirá de referencial para as outras gentes. Um dia os historiadores de arte e os catálogos internacionais citarão seu nome e exibirão orulhosamente seus homens nus e silenciosos.

Rio de Janeiro - 2002.

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