| Jair Jacqmont |
2.AM by Arnaldo Garcez e Jair Jacqmont

By Alexandros Papadopoulos Evremidis

A ambiguidade na arte não é para confundir e muito menos para humilhar o espectador (tipo, “Épater le bourgeois!”, dos poetas decadentes franceses) – ela é, antes, para instigar, estimular e, mais, instar a refletir e ir além das aparências. Mesmo porque a arte é a parte invisível da realidade. Faço referência a essa ideia, e até com ela seriamente gracejo, pois que tomados de surpresa, público em geral e até os críticos, em primeira e superficial leitura do título da mostra 2.AM somos levados, pelo acrônimo do tradicional Ante Meridiem, a interpretá-lo como Exposição às Duas(Horas) da Madrugada. Fosse verdade e também não seria nada mal – seria, por inusitada, original.
Entretanto, logo após tomarmos ciência da amazônica origem dos dois expoentes artistas expositores, Arnaldo Garcez e Jair Jacqmont, a luz se faz e mutatis mutandis, libertos do natural estranhamento, deciframos a inventiva, minimalista e ben trovata titulação. Temos, portanto, aí, uma seminal referência e um pacífico ponto comum de partida, mas não necessariamente de chegada (e logo explanarei por quê).
De partida, porque será lícito supor que, sendo ambos legítimas e, daí, legitimadas crias da Amazônia, estejam suas memórias afetiva e efetivamente impregnadas da explosiva exuberância de seu natal meio ambiente, o mais rico do planeta, em matéria, não só bio e abiótica, mas também de consequente diversidade de cores e formas, representadas por suas ímpares, exóticas e policromáticas fauna e flora, assim como por seus caudalosos rios e por seus pitorescos igarapés - pela floresta que qual manto protetor os cobre e rodeia como um todo, enfim, constituindo-se no mais invejável dos ecossistemas sobreviventes (até quando?! não será pergunta estilística nem retórica e muito menos panfletária). Uso o vocábulo “invejável” por sabido ser não ser de hoje que aquela mágica imensidão exerce irreprimível fascínio e cobiça sobre pervertidas e corrompidas, ávidas e vorazes mentes humanas, que uma vez identificada, na Era dos “Descobrimentos” (do há milênios descoberto pelos indígenas), como Eldorado e, mais e melhor, como o mitológico Paraíso Terrestre (que é!), sobre ela têm avançado com despudorada e insana ferocidade, violando e, pior, impiedosamente, estuprando-a.
E já chegamos ao ponto de chegada, cuja inexistência grosso modo sinalizei anteriormente. Assim, venho clarear agora o que com aquilo desejei significar então: O fato de os citados artistas serem de cepa amazonense e daí carregarem por toda vida bagagem emotiva, sentimental e imagética, não nos autoriza nutrir ingênuas expectativas quanto a suas criações pictóricas serem e terem percursos semelhantes. E nem tampouco, devido a indevidos folclores, supor sua fatura ser do tipo acadêmico ou naïf, a representar, retratar, mesmo quando de modo cândido, índios e papagaios, botos e araras, onças e macacos, ou ainda palmeiras, açaizeiros, cobras grandes e pequenas, ao sabor do imaginário popular. Fosse assim e estariam reduzidos à ainda e sempre digna artesania. Por outra, porém, claro também está nada impedir que tudo isso lhes possa, emergindo de inconscientes arquétipos ctônios, servir como matriz nutriz e inspiratriz.
Defendo a tese de que em mostras de pintura, por mais contemporânea, lato sensu, o primado por toda lógica será o da visualidade, o encher os olhos, excitar a retina, ativar o nervo ótico e resultar na mais plena fruição estética, claro, não excluindo a emergência de reflexões várias – condição que os artistas satisfazem a contento. Em contraposição, a literalidade será mais justificada na arte contemporânea, stricto sensu, mais desafiante por enigmática. Assim, visto e posto a pintura ser autofalante, não cultivarei aqui a pretensão de “explicar” as obras desses geniais artistas, me parecendo mais sensato e adequado, me restringir a destacar algum paralelismo, atendo-me aos elementos que os unem e aos que os separam: aqueles se consubstanciam na paleta forte, lustrosa, impactante, apaixonada e apaixonante, amazônica; estes, no tema – sendo o de Arnaldo a pesquisa e a busca de uma posição e de uma postura por parte do humano, sequioso por conquistar um espaço – seja ele pictórico, nos estreitos limites da tela, seja físico e social, em sua significativa inserção no mundo; já o de Jair seguirá o viés dos recortes poéticos concretistas e a um tempo simbolistas do inebriante e órfico entourage, em mais de uma direção e sentido – uma geografia sensível! Inevitável também será dizer serem, Arnaldo e Jair, não opostos, mas completamente complementares.
E por falar em complementar, será razoável, sem contradição, complementar ressaltando ser Arnaldo Garcez artista de traquejo e trânsito internacional, que após fazer sua formação artística no expressionismo original, originário da Alemanha, realizou dezenas de bem sucedidas exibições individuais em diversas capitais do mundo, que souberam apreciar suas largas e generosas e urgentes pinceladas que ora explícita e ora fugazmente capturam o corpo e a alma do bicho homem universal, urbano e cotidiano, ansiando por expressão. São célebres suas séries povoadas sucessivamente por nuas e/ou vestidas mulheres ultra sensuais, músicos e bailarinos flagrados no calor da função e solitários frequentadores de bares remoendo solidões e buscando amores. Embora exímio desenhista, ele não se intimida pela exatidão de contornos e delineamentos - a dinâmica da tinta, aliada à emoção, é o seu limite e ora se mostra contida e ora vaza e contamina terrenos contíguos. Por altamente significativo nesta conexão, não olvidar de mencionar ser ele também multimídia, já que também poeta e compositor de excelência. Para fechar, correndo o risco de me plagiar, direi ser sempre bom lembrar que se as novelas globais se espelham no humano cotidiano, nada mais coerente os diretores de arte daquele canal reiteradamente recorrerem às criações de Arnaldo para condizentes cenários.
Na outra ponta desse fio da meada, Jair Jacqmont, como já apontado acima, desponta como contraponto, atrelado a semelhanças e diferenças com a diretriz gerada por Garcez, e transita pelo território limítrofe da abstração figurada, construindo e desconstruindo formas e formatos secundados por esquemas cromáticos, para logo reconstruí-los em outro momentum – o tempo e o ritmo da respiração da pintura, assim arquitetando sua geometria, dotada de léxico próprio e pour cause também de idioma em busca de uma estética personalizada, prazerosamente acolhida por todos quantos de olhos e coração abertos e atentos a seus signos e a suas insinuações operando com telas e instalações seriadas que apreendem aspectos inusitados de troncos, plantas e flores, sendo que com estas Jair deseja indiretamente homenagear as icônicas bromélias e helicônias da lendária e cult Margaret Mee, a devotada amante da floresta e de seus habitantes. No item semelhanças, cabe destacar em Jair as pinceladas igualmente amplas e os riscos de tinta fortes, com ênfase nos verdes escuros, verdes bandeiras, verdes claros e às mesclas de verdes, amarelos, vermelhos e azuis constituindo-se todas em uma soberba orquestração sinfônica, a que só falta a schilleriana Ode à Alegria da beethoveniana Nona. Mas esta nós a audioimaginamos e fruímos igual. Resumindo: Jair ainda vai nos dar muito trabalho (ainda bem!).

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email

Rio de Janeiro 2011


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