"CONTOS MÍNIMOS", de Heloisa Seixas / Editora Record
"Contos no Mínimo Máximos!"

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Não há trocadilho nenhum em dizer que os contos do livro "Contos Mínimos", que Heloisa Seixas acaba de lançar pela Record, são no mínimo máximos! Eles realmente são isso mesmo - máximos! E não no tamanho, que aí eles são de fato mínimos, já que ela os escreveu para a revista Domingo do Jornal do Brasil onde, obviamente, ela teve que se ajustar a um espaço predeterminado como é a necessária praxe nessa espécie de veículo; eles são máximos, isso sim, por sua qualidade literária. Talvez devesse eu simplesmente dizer que são "O" máximo!

Curiosamente, aquilo - o espaço limitado - que eventualmente poderia se tornar seu ponto fraco, dando-lhes feição automática, mecânica, forçada ou "de encomenda", digamos, acabou por se revelar a sua máxima força. Justo porque nesse espaço mínimo, ela conseguiu, encarando o desafio que é esse tipo de escritura, reunir todas as minúcias e os ingredientes indispensáveis para com refinamento compor o clima e o ambiente, o tecido da trama que vai se enriquecendo e sofisticando até conduzir ao alívio do desenlace. E isso, mesmo nas peças que, atravessando a tênue fronteira do conto, desembarcam na seara da crônica onde a liberdade é a tônica.

Ilustrando para resumir: Heloisa, dispondo de um espaço X e uma quantidade Y de palavras, conseguiu ser rigorosamente precisa na forma e na matéria, encaixando sem farpas nem arestas uma na outra, de modo magistral, e irradiando um frescor e uma espontaneidade poucas vezes alcançada. Uma autenticidade! E assim, nesse misto de contos e crônicas, sapecamente, sem deixar muito claro quando e onde o um é o um e o outro é o outro, ela abarcou a vida cantando o amor tão querido por todos nós, causando-nos discretos calafrios com suas assombrações, mostrando-nos o fiapo de luz no túnel da solidão, exaltando a perene beleza da naturerza e servindo-nos de guia intelectual com suas reflexões - tudo junto arquitetando o seu pentágono de fixação constante: atávica e incontornável, sem ponto de fuga, em seu insinuar e dar a entender. O que ela faz com todas as letras. Uma obsessão rodrigueana. Um destino e uma destinação. Mais - uma predestinação! Que ela cumpre hieraticamente.

Agora olhe de novo para o ícone e deixe-se contagiar pelo sorriso afirmativo. Aí, sim, será seduzido pela reverencial magia da Heloisa. Para depois não se lamuriar e queixar de nunca ter sido tangido pela Beleza ;-P

Ao longo da vida, o leitor médio lê livros pelas mais variadas e por vezes esdrúxulas razões. Normalmente, entretanto, a partir de um certo momento da leitura, e dependendo dos hábeis artifícios dos escritores, ele é agarrado e amarrado pelo enredo e sente ansiedade para chegar ao final da estória a fim de saber, nos romances paradigmáticos, se o mocinho vai acabar em happy end com a mocinha ou tragicamente como Romeo e Julieta; nos policiais, de suspense ou de crime, se o assassino é mesmo o ... mordomo, e assim por diante.

No caso dos "Contos Mínimos" de Heloisa Seixas nada disso importa. Ela consegue o saudável feito de deitar a literatura em seu devido e apropriado leito: ler pelo puro e simples e insubstituível prazer da leitura - atividade e vício o mais solitário impossível, sim, e no entanto altamente interativo -, que tanta falta faz em dias de tantos experimentalismos e malabarismos estilísticos (é sempre necessário insistir). Vazios, inócuos e inoperantes, quase sempre.

É isso mesmo, leitor despreocupado! Com a Heloisa, contrariamente aos já citados, você vai lendo e torcendo para que a estória não chegue ao fim, tal o deleite que o caminho e o meio proporcionam, não o fim do fim. Bucolicamente, a escritura de Heloisa flui e murmura delícias como a água cristalina de um impoluto riacho e sopra como uma benfazeja brisa que nos refresca com ligeiros e aprazíveis arrepios - da alma à epiderme. E é exatamente por isso que, pode-se dizer, não é uma leitura para ansiosos e/ou apressados, embora garantidamente lhes faria bem, agraciando-os com a desejada serenidade da pacificação do espírito. É para os gostam de curtir e degustar a vida e a leitura dela, expressa em forma de livro, de contos/crônicas como os de Heloisa, com a um bom vinho para sentir todo o espectro de sabores e aromas imperceptívies de tão sutis a mentes obtusas, e que de outro modo seriam despercebidos e pour cause desperdiçados. E ela faz isso com tranqüilidade e segurança, com respeito e reverência, passando-nos a sensação de que não seremos ludibriados com truques e artifícios; e mais, com a intimidade de alguém, que aprendemos paulatinamente a gostar e a nele confiar, presa ao centro de nossa sensibilidade. Heloisa e, por extensão, os que contam os contos estão aqui, juntinho de nós, e nos conduzem com firmeza e sabedoria. Com afinado conhecimento de causa. Não seremos enganados nem impressionados gratuitamente.

Nem por isso, porém, vão nos faltar emoções e sensações fortes e surpresas e fins desesperados, inesperados e surpreendentes, como nos melhores espécimens do gênero - de um simples perfume, que sempre esteve ali ao alcance de nossas narinas mas que nunca o percebemos, à manifestação materializada do sobrenatural e de seus seres exteriores, que o mistério existe. Na vida como na arte. Não há berros e gritos horripilantes, não há angústias e histerias, não há morticínios e carnificinas, nem há gemidos e suspiros insuportáveis que pudessem ofender e agredir nossa suscetibilidade. E a um tempo, estranho!, há de tudo isso, e muito mais, só que insinuado ou narrado com diáfana delicadeza, quase sussurrado, com poética transparência. Subliminarmente! Com feminina intuição. Com carinho que só o criador tem por suas criaturas.

As estórias de Seixas são cotidianas e cotidianos são os terrores, as tragédias, os desamores e seus exorcismos. E cotidiano é o espaço da ação da maioria das peças - este nosso Rio de Janeiro, misto de Prostituta Babilônica e Cidade Celestial - o que favorece e afaga os cariocas, que sentem e sofrem a paixão e a cumplicidade do subúrbio, do Maracanã, da São Clemente (que clemência ele tenha de nós!), Copacabana, Leblon, Lagoa, o grande mar e suas praias e ... tudo e todos estamos presentes - sujeitos e objetos, vítimas, réus e carrascos. Simples humanos e portanto mortais, com muitas grandezas e temporadas de infernos. (A essa altura, não seria impróprio elevar Heloisa ao cume de Cronista do Rio!) O que não é cotidiano é o modo da percepção que ela tem de todos esses átomos, de como se inteirar deles, de com eles interagir e compreendê-los, mergulhando em sua mais profunda camada de humanidade, ao âmago do nada que nos trans-substancia e devolve ao ser. E ao final, quase sempre, a não ansiosamente esperada solução mas a inevitável, por natural, conclusão, ainda assim, inesperada e surpreendente. Catártica, essa sempre! Porque Heloisa nos brinda com um "fiat lux" e de tal forma e intensidade que tudo a nossa volta ganha contornos familiares e apazigüantes. As brumas se dissipam e o nevoeiro se desfaz. O que nos resta, agora, é suspirar, gemer ou sorrir com alívio e enlevo. Heloisa nos revela a nós mesmos e nos reconcilia com nosso íntimo. E o melhor, ela não nos julga nem nos pune o que já é um e o maior lucro. Ela deixa isso para a natureza e seus poderes.

Heloisa Seixas não é marinheira de primeira. Tem maturidade e bagagem que a avalizam e recomendam. É autora do livro de contos, de felicíssimo título, "Pente de Vênus (1995) e dos romances "A porta" (1996), "Diário de Perséfone" (1998) - outro achado! - e "Através do Vidro" (espelhado?) (2001). Organizou e traduziu também três antologias de contos góticos: "Depois - Sete histórias de horror e terror", "Visões da noite" e "A casa do passado", todos pela Record.

Só falta dizer, e com destaque!, que os pórticos das laterais do tal "pentágono" da Heloisa são adornados por ilustrações de Bruno Liberati - mestre do metié, que com singeleza, rara beleza e distinta delicadeza valoriza o etéreo com seu desenho e revaloriza os "cronicontos" de Heloisa invocando emoções de um tempo interior onde tudo é poesia e sonho.

Rio de Janeiro 2001

Alexandros Papadopoulos Evremidis = > escritor crítico > Email


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