Fabiana Cunha
Iconografia de uma paixão!

©Alexandros Papadopoulos Evremidis

O que essa menina Fabi tem de jovem e de mignon, tem em demasia quando o assunto é maturidade e refinamento artístico. Muito cedo em sua vida, deve ela ter intuído e, por meio de estudos e pesquisas, descoberto e se apropriado da idéia de que não faz o menor sentido desprezar a tradição - a de que o conhecimento que mantém o homem vivo e ativo é uma construção arquitetônica que só prevalecerá e evoluirá na direção conveniente se apropriadamente fundamentada e alicerçada sobre diretrizes de inclusão e soma. Logo veremos por quê.

Não é de hoje e tampouco é à toa. A própria gênese do que chamamos de Rio de Janeiro ocorreu em função de atributos que logo despertaram a cobiça de variados matizes - da pirataria mais predatória e descarada ao sonho de Villegaignon de aqui estabelecer o coração da França Antártica. Mas foram os artistas, vindos de todas as partes do mundo, que com sua sensibilidade e olhar clínico melhor perceberam e capturaram e eternizaram a alma e o espírito desse prodígio da natureza. Isso, sem falar nos escritores e poetas que, em prosa e verso, cantaram a cidade maravilha e continuam a cantá-la e a laureá-la como o supra-sumo da beleza - seu mais cabal conceito! E com toda e justa razão. Aqui estão reunidas a situação geográfica privilegiada, a topografia literalmente ímpar, a exuberância das cores, a abundância da luz, a escandalosamente insinuante e sensual forma de reentrâncias e saliências, as femininas curvaturas dos morros.

E quando pensávamos que tudo já fora dito e expressado, que o assunto estava esgotado, que os artistas estavam se repetindo e se tornando meros retransmissores, vem essa jovem, Fabi, e nos surpreende e nos inunda e invade com seu vigor e sua vitalidade, sua avassaladora sensibilidade e sua candente paixão, com seu autoral modo de olhar e sentir a cidade, suas formas e suas cores, seus mágicos encantos. E expressa isso por meio dos muito oportunos e apropriados contrastes cromáticos, justapondo e alternando tonalidades, ora cálidas e ora refrescantes, e pinceladas espaçadas e generosas, vibrantes e pulsantes, plenas de vigorosa gestualidade, um verdadeiro pandemônio pictórico, órfico e daí também rítmico e harmônico, como convém a essa herdeira da depravada Babilônia e da luminosa Atenas.

Não pára aí. Com espantosa habilidade técnica e conhecimento de causa, aliados a esse pathos e a esse pothos de que é superlativamente possuída, Fabi mantém suas belas traduções do belo nas zonas limítrofes do realismo imagético e da sublime abstração, mas com trânsito livre e descomprometido e amoroso entre eles. Nem tanto ao mar, nem tanto à montanha - ambos marcando presença e demarcando os horizontes da gaiata cidade. Ou seja: abstrai, mas não subtrai. Não abstrai além do necessário, para não subtrair, para não deturpar e corromper, catastrofica e irrecuperavelmente, a configuração original dos seus trópicos tópicos, sacralizados pelo tempo e pela tradição a que me referi de início.

O que Fabi faz, a título de contraponto, é não se furtar ao pétreo direito de fazer uso da liberdade para expressar as exigências dos seus sentimentos e de suas emoções - conditio sine qua non de toda arte e, mais, razão de sua própria existência no mundo! Apaixonadamente decompõe ela e nos revela seus elementos constitutivos - nos diz como e de que é feita essa despudorada cidade/ninfa/luz/cor. Ou seja, abstrai o suficiente, aqui e ali, para nos dizer e fazer ver que o essencial não se esgota na superfície das aparências do mundo fenomenológico que apenas excita as nossas retinas, mas na terminação do nervo, no âmago, no núcleo que nos move e comove e faz experimentar a plenitude. Para tanto, dota ela as suas pinturas de interstícios espaciais, prenhes de significações, áreas de respiração e ventilação, de "espiação" mesmo, para melhor captar e desnudar-lhes a intimidade, a essência última, que é essa que aqui e agora nos impacta e subjuga e torna súditos e, a um tempo, co-partícipes, consortes felizes do prazer proveniente da sua estética.

É forçoso e meritório, entretanto, também destacar que, despida de qualquer ufanismo gratuito, Fabi ama e adora, mas não é ingênua; tanto assim que exercita plenamente seu senso crítico quando, movida pela compaixão e consciência humanista, revela aquele outro lado da Cidade Luz - o lado sombrio, injusto e cruel, dramático mesmo - basta para tanto atentar para as "nervosas e revoltadas manchas" do díptico "Rocinha e Vidigal", testemunhas da premente necessidade da reforma dos conceitos e das políticas sociais, da ética!

Parêntesis: A rigor, razões de memória afetiva não me faltariam para não apenas desenhar essa tosca resenha, mas para tecer verdadeiros encômios para a artista e o seu/nosso/e_de_todo_mundo Rio de Janeiro - catalisador de autênticas enxurradas emocionais. Isso porque, quando aos 10 anos, lá nas montanhas da Macedônia, tive a felicidade de, por primeira vez, estabelecer contato visual com postais e folders informativos da Cidade e das suas maravilhas, foi também muito assim, como Fabi, que, depois de abstrair sem subtrair, a imaginei e por ela me apaixonei e a amei e passei a com ela sonhar. E coerente, anos depois, já adulto, vim ao encontro dela para desposá-la, dela tomar posse e por ela me deixar possuir, a ponto de não mais, nunca mais, poder sair dela. São essas as cores das infâncias e seus corolários sons que a artista agora resgata e doa ao mundo.

Rio de Janeiro 2004

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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