Dudu Garcia
Calypso e Apokálipsis

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*


Escrevi, há alguns anos, após ver a série "Suportes" (desvio para o vermelho), ter ele nos subtraído o chão e deixado a flutuar no nada (que é tudo).

Não bastasse, agora, ele derruba também as paredes que nos cercam. Estará nos projetos dele, nos destelhar as habitações e nos deixar nus e exauridos, exaustos e expostos à bisbilhoteira e cáustica ironia dos limpos Olímpicos, enraivecidos com a hybris cometida por Prometeu?!

Escrevi "derrubar", mas derrubar talvez seja "tour de force" - o certo é que ele primeiro constrói e depois desconstrói, vai soltando e arrancando esses (que leio como) azul/ejos (com desvio pra o verde esmeralda do sintomático mar) e, ao mesmo tempo que nos expõe aos exotéricos, nos revela também o que há por trás das máscaras, das convenções, das defesas, das fortificações, dos muros (de Leonardo) e das prisões (privadas e públicas) - a cotidiana miséria da prosaica vida, da vida que levamos e que de "nossa" enchemos a boca para chamar.

Aqui e ali, em meio aos humanos afazeres, silenciosas e impávidas, antropomorfas e totêmicas entidades, gárgulas, guardiões dos nossos medos e fantasmas, das nossas inibições, severas, observam o teatro das inúteis ações e das terminais operações - as ruínas dos tsunâmicos arrastões em que, sufocados, nos afogamos. Espreitam, espiam, sentenciam - vaidade das vaidades, a degradação, a corrupção, a putrefação e o túmulo te aguardam! Para te desintegrar ao estado pré-atômico e restituir ao Chaos de onde proveio, antes do tempo tempo ser.

Estupefatos e instáveis, mas também maravilhados - é assim que nos sentimos diante de uma anacrônica escavação arqueológica, já que o tempo/espaço é aqui/agora e a velocidade da deterioração e do envelhecimento, das rachaduras e das rupturas, das desfolhações e das descamações, das irrevogáveis oxidações, eletrônica. Pompéia rediviva e sem a desculpa da irada intervenção do ciclópico Hefaisto/Vulcano.

Para um tema candente, Dudu escolheu (ou foi escolhido, já que aquele condiciona e determina o formato) telas de escalas heróicas, mas não destituídas de compaixão e delicadeza, de explícita cumplicidade, de pertenecência e sujeição a esse mesmo ardente tempo. Se, de perto, nos amedrontam, oprimem e humilham, de longe, repousantes, nos põem a contemplar e refletir - quem somos e o que fazemos, o que fizemos de nossas vidas?

É preciso que, fugindo do intimista e subjetivo ambiente doméstico, mesmo porque... incabíveis, salvo em faustosas mansões e minóicos palácios, as obras, vestígios e testemunhas do tempo, sejam franqueadas à vista de todos quantos perguntam e esperam respostas. Mesmo que estas nunca venham. Não importa - a Stoá, há tempos, sinalizou os suportes da agonia. São vermelhos como nosso sangue e azuis como o mar de nossa procedência. Cinzas para cobrir a cabeça.

Rio - Janeiro - 2007

©Alexandros Papadopoulos Evremidis = escritor crítico do Portal RioArteCultura.Com


"Suportes", de Dudu Garcia

A experiência da carnalidade do chão que nos suporta

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Os dramáticos quadros de Garcia muito nos diz do porquê o artista fez o que teve que fazer! Garcia primeiro nos tirou o ar com a impactante presença e beleza física das suas criações, coisa que toda pintura livre pede e, no caso dele, exige - por se revestir de procedimentos avassaladores - expressão corporal, performance. Depois, nos tirou também o chão. O chão? Sim, o chão! E logo explicitaremos por quê e como:

A impressão que tivemos foi a de que ele não tivesse se servido de pincéis, facas e espátulas e tampouco feito furinhos nas latas de tinta para pingar. Seguindo uma estratégia previa e laboriosamente elaborada, ele controladamente derramou e espalhou seus materiais nas tábuas corridas do soalho e numa abordagem absolutamente sensual, deitando-se sobre elas, confiou o restante num modificado experimento Rorschach, ao acidente(?) feliz. Após o transcurso de algum tempo (e sua ação), ele ergueu os painéis assim maculados e encostou-os na parede.

O resultado, apenas parcialmente esperado, surpreendeu e agradou-o. As aparentemente aleatórias manchas de tintas, piche e pigmentos ali estavam imperceptivelmente personalizadas, mas absolutamente significativas; e as previsíveis e demarcadoras linhas da repousante justaposição horizontal das tábuas, modulares e repetidas, também. As primeiras formavam visões de alguma realidade não conhecida, mas suspeitada; as segundas, ilusionistas, insinuavam um fundo perdido ao alto, como se simulacros de escadas celestes cujas bases se apoiassem aqui, aos nossos pés, e por cujos degraus perspectivados escorressem rios e cachoeiras, cataratas de líquidos seminais, avalanches de emoções descontroladas - Uranos, vindo do Chaos e se esvaindo em Gaia para engendrar Chronos - o Dissoluto Dissolvedor!

Supusemos, porém, mais e melhor - que, não contente, Garcia, (e aqui chegamos à neuralgia), ao serrar e recortar o assoalho - matriz e geratriz! - em retângulos regulares, resgatou e homenageou o fetiche de sua problemática artística - o negativo de suas revelações, oculto nos confins da memória afetiva. E com isso subtraiu a si próprio e a nós o suporte por excelência e transformou-o em "suportes". Ficamos a flutuar sem ar em pleno ar - não disse ab initio?

Tudo suportado, serrado e explicitado (mesmo suspeitando que, na realidade, ele tivesse construído estrados apropriados para tal), imaginamos que, expondo todas as 30 obras perfiladas, de um lado, e as 20 pallettes, de outro, poderemos, com a gentil concorrência do artista, reconstituir (e até, quem sabe? reconstruir) o céu e a terra. Garcia, sinérgico, vai nos dar muito trabalho.

Rio de Janeiro 2004

Alexandros Papadopoulos Evremidis = > escritor crítico > Email


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