"Composição Rio", de Di Cavalcanti.
O declarado (e descaradamente) amante do Rio.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Corria o ano de 1952. Dois homens e um destino: Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Mello, o Di Cavalcanti, ou simplesmente o Di, para os íntimos, havia já alcançado a maturidade física e a plenitude artística. E Samuel Wainer, o mais irrequieto e comprometido jornalista de sua época, estava querendo comemorar em grande e inusitado estilo o aniversário de um ano de seu jornal - Última Hora. E para isso, pioneirando uma vez mais, pensou em decorar a redação do vespertino com autênticas obras de arte que refletissem a incipiente modernidade. Recorreu então ao amigo Di e pediu que ele pintasse cinco painéis - Composição Rio - que expressassem a vida da cidade e o papel da imprensa. Sendo que a palavra composição se presta a dupla interpretação - a mais óbvia, a musical ou a artística em geral, e a do jargão jornalístico, quando o material a ser publicado vai para a fase final, a composição tipográfica, e daí para as rotativas para ganhar as ruas.

Uma encomenda desse caráter é sempre uma coisa melindrosa e constrangedora para os brios de qualquer artista que se preze mas a história é cheia de exemplos de encomendas muitíssimo bem sucedidas. Que o diga o ícone Donna Elizabeta Giocondo e seu Pigmalião, Da Vinci. Di aceitou o desafio que nem seria tão penoso assim - afinal ele retrataria a sua amada Rio de Janeiro, eternizada por ele mesmo também em versos:

"Abro-te os braços mais uma vez, cidade onde nasci!
Transfiguro-me na tua luz, banho-me nas tuas águas
E prometo ser sempre a criança perdida nas tuas ruas".
No primeiro semestre daquele mesmo ano, Di concluiu a obra e no dia 3 de junho fez o seu vernissage. Mas a apoteose mesmo veio no dia 11 por ocasião da inauguração dos painéis na sede do jornal, quando, Cavalcanti, além de pedir aos jornalistas que sentissem nos painéis sua constante presença, desabafou com o que viraria célebre guia e cânone da arte: "Pedem-me uma explicação dos painéis que fiz com Athos Bulcão. Há coisas que não se explicam, ou melhor, que só se explicam pelo fato de existirem". Ainda bem que ele não generalizou - disse "Há coisas" e não "Todas as coisas", porque há coisas, inclusive na arte, que precisam ser explicadas, sim, e afirmativamente. E não haverá erro.

De fato, no caso da Composição Rio, não há muito o que explicar, apenas descrever a cena. Está tudo aí, na cara do observador por mais desatento que esteja ou seja - a cidade com suas alegrias e suas mazelas: o carnaval, o futebol, o turfe, a seresta, o teatro, o trabalho sob o sol escaldante, as rotativas, a maternidade, o crime da mulher esfaqueada - certamente para lavar a honra de algum marido inconformado com o abandono ou a traição -, o sono dos inocentes ... e o jornal, onipresente na pessoa do arauto de dupla face, solar e lunar, em vigília 24 horas/dia, para relatar os fatos e defender o comum. Destaque para o primeiro painel que consubstancia o humanismo de Di Cavalcanti - à esquerda, o angustiado, sofredor e carente povo que, incentivado pelo arauto, clama por justiça; e no meio, a Justiça apontando para o ricaço agiota, encastelado à direita. Sintomático? Era assim durante os gloriosos anos dos Estados Gerais, da Revolução Francesa, agora já empoeirada e desgastada, precisando de uma revolução da revolução. Tudo isso com cores fortes e vibrantes, dinamica e avassaladoramente. Bem Di. Eu Yiê! Auê!

Em 1971, Wainer em crise vendeu a obra para a Light que a comprou de favor e a enviou para São Paulo(?!). Em 1989, depois de marchas e contramarchas, 4 dos painéis voltaram para o Rio e ficaram na sala de reuniões da presidência. Em 1994, com a criação do Centro Cultural, eles já podiam ser admirados pelo público em sua Sala Histórica. Em 97, foram instalados na Praça Coberta. Agora, numa espécie de happy end e segunda apoteose, pondo fim à desvairada peripécia, eles finalmente foram restaurados e estão expostos no recém-inaugurado Espaço Di Cavalcanti (Centro Cultural Light - Av. Mal. Floriano, 168 - Centro - Rio de Janeiro) à adoração pública. O quinto painel ficou em São Paulo, na Galeria Dan, a quem pertence. Talvez seja justo que assim seja, haja visto, ter sido ele uma homenagem ao lançamento do jornal naquela capital, na época.

Rio de Janeiro 2001

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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