| Denize Cruz |
“Denize Cruz é poeta em pleno amadurecimento. Sua poesia, seguindo a tendência moderna, se exprime pelo hai-kai, pelo poema-comprimido, pela fala conceitualística e algo filosófica. Mas vejo em seus momentos menos cerebrais o melhor de suas possibilidades. Quando elabora em torno do cotidiano, das coisas visíveis e palpáveis, é aí onde, a meu ver, melhor consegue captar a essência do poético escondido no prosaico. Os versos inspirados pela vista do armário de roupas, das louças de cozinha, a associação rúcula/vírgula e a polissemia do verbo digerir são mostras suficientes de um virtuosismo em desenvolvimento, de uma capacidade de ver as coisas com o olhar transfigurador do poeta”. [Ivo Barroso]
Em seu terceiro livro de poesia “O que não há” [Editora Aeroplano], Denize Cruz segue ao pé da letra a epígrafe do poeta Manuel de Barros: “Não tem margens a palavra./Escrever é cheio de/casca e de pérola’. Desejo, paixão, dor, solidão, tempo, palavras. A utilização das metáforas e imagens que compõem o livro nos indica que a poeta usa a linguagem como metáfora da própria palavra. A linguagem e seus acúmulos são a matéria com a qual ela burila sua alquimia poética, com apuro e trabalho, porque para Denize a poesia é labuta, é um oficio como outro qualquer: “cheguei ao verso como quem chega em casa/certa do trabalho cumprido [...]”. Sua escrita reúne temas caros à poesia, que se desdobram nesses 50 poemas como se fosse um palimpsesto poético, no qual ao invés de ‘cascas’, de camadas de tintas serem retiradas da superfície da tela, são palavras que são reveladas à cada poema na página. A autora, que já lançou o livro no Rio de Janeiro, Niterói e Brasília, prepara em breve lançamento em São Paulo.
O primeiro poema do livro inicia com dois temas recorrentes no decorrer do volume, a memória e o tempo. “se possível fosse/apagaria/escaparia/mentiria à memória/se possível fosse/desataria um tempo/que insiste em pertencer [...]”. A partir daí, os assuntos tratados pela poeta no livro vão se descortinando em reflexões que têm o cotidiano e as coisas como eixos referenciais de sua poesia como afirma o poeta e tradutor Ivo Barroso no comentário sobre a sua poesia, em seu segundo livro "Quisera que minha mão sobre teu peito fosse raiz".
No decorrer da leitura do livro, a autora parece interrogar o leitor [e ela mesma] com a mesma pergunta que o ensaísta francês Christophe Bident faz em suas obras; sobre o lugar da escrita, ou seja, em que lugar, em que espaço ela nasce, quando começa a ser reconhecida pelo leitor? Em “O que não há” Denize mapeia esse lugar por intermédio de uma cartografia própria onde o tempo e o espaço são tensionados, onde a solidão é feita de ausências e distâncias, uma geografia onde “as latitudes são aleatórias/as longitudes apenas linhas de giz/os cruzamentos inexistentes [...]”. Nesse ‘mapa poético’, que pode ser escrito e re-escrito e apagado com giz, o real e seu simulacro são postos em xeque: “o presente, única coisa real/que de tão inesperado parece ilusão [...]”.
Como disse o poeta, ensaísta e tradutor Marco Lucchesi sobre seu primeiro livro ‘O Fio da pele’, Denize Cruz “canta o splendor carnis e o splendor verbis, a carne e o verbo, dentro de uma clara sugestão musical, imprecisa e vaga. Como se formasse uma pequena orquestra dos sentidos. Um acervo de possibilidades [...]”. Essa relação entre visualidade e oralidade é interessante porque em alguns poemas parece que Denize dialoga, interroga diretamente o leitor, como se conversasse com ele, como se nele pudesse encontrar uma resposta. Na sua poesia, há algo nas palavras que não cabe em si e lhe escapa. Mas já disse Maurice Blanchot, que a resposta é a desgraça da questão. Afinal, qualquer tentativa de ‘revelar’ ou ‘desvelar’ o texto parece naufragar nas inúmeras possibilidades de leitura que o texto abriga em toda sua subjetividade que lhe é intrínseca.
O poeta busca em sua trajetória a compreensão dos paradoxos e mistérios não só da linguagem, como de si mesmo. Ele caminha, digamos, em direção à formação de um sujeito poético que dialoga com outros sujeitos. Se formos pensar no paralelismo entre a criação original e a leitura, a criação poética é sempre intertextual, um diálogo com outro autor; mas também com o leitor. Segundo o filósofo Frances Jean-Luc Nancy, a poesia não coincide consigo mesma, pois é por natureza mais do que poesia e também outra coisa. Essa ‘outra coisa’, no caso da poeta é como ela mesmo diz: “meu encontro com palavras/é provisório/vendaval, ressaca, hesitação”. Um susto diante da [in]compreensão das coisas, do mundo. Pois afinal de contas, a poesia nasce, como ela mesmo afirma, desse “susto imenso/que era permanecer nascido”.
A cuidadosa edição da Aeroplano traz ainda desenhos de um dos mais importantes artistas contemporâneos brasileiros, o paraibano José Rufino, em cuja obra há um continuo diálogo entre memória e esquecimento. Os desenhos, da série “Incertos” foram realizados a partir dos poemas de “O que não há”, em têmpera, aquarela, sanguínea, grafite e tinta acrílica sobre papel Canson.
Denize Cruz, nasceu em Niterói, Rio de Janeiro, e vive e trabalha em Brasília. Engenheira civil, publicou seu primeiro livro, “O fio da pele”, pela editora 7Letras, em maio de 2000; cinco anos depois publica “Quisera que minha mão sobre teu peito fosse raiz”, também pela mesmas editora. A autora tem publicado seu trabalho em prestigiadas revistas literárias do país como ‘Poesia Sempre’, da Fundação Biblioteca Nacional.

Rio de Janeiro 2012


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