"Pinturas", de Aureo Antunes
Aureo Antunes - a pintura dos sons do silêncio

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Sensibilidade, perspicácia, verdade - são palavras caras à arte de Antunes, cujo alcance e significado só entenderemos recorrendo à revelação das inquietações e anseios artísticos e filosóficos, que, como todo artista que se preza, também ele tem: O que é arte? Onde ela nasce? No mundo exterior ou no âmago do nosso íntimo, nas profundezas abissais do nosso inconsciente? São perguntas que, depois de seis mil anos de realizações artísticas, os homens ainda não sabem responder com segurança. Quando o fazem, é por uma retórica inversão ou exclusão do tópico em questão - "O que não é arte?" ou "É mais fácil dizer o que não é arte", nas palavras daquele travesso enfant terrible Duchamp.

A interrogação sobre a natureza e origem da arte, ainda que parafraseada, permanece na alma e na obra de Antunes: O que é beleza? Qual o poder de sedução da estética que tanto nos atrai e cativa? Por que os homens, há milênios, se esforçam em criá-la? Sim, porque não há como não imaginar o primitivo, da infância da humanidade, a gravar com o dedo riscos na areia, que a maré leva; rabiscar a argila sob seus pés com um graveto, que a chuva lava e as pisadas apagam; a grafitar signos na permanência pétrea das cavernas com pigmentos ou até mesmo com o sangue dos companheiros feridos ou mortos e da caça abatida. Foi dessas elementares abstrações que evoluíram os bisontes de Lascaux e os homens "chifrudos", de Trois Frères, na França; os touros Kudu, em Mtoko, na Rodésia; as digitais da Cueva de las Manos, na Patagônia. E aparentemente tinham o sentido de exorcizar o medo, celebrar a vitória ou simplesmente impregnar o tempo com seu testemunho.

O que aqui importa, entretanto, e em vista das pinturas de Antunes, é que o círculo (que já nem mais círculo é, mas espiral) está se fechando. A arte nasceu abstrata, tornou-se figurativa representando o mundo objetivo e agora está se reaclimatando a seu leito de origem. Nada aconteceu por acaso. Uma ruptura científica, um salto libertário e qualitativo, precipitou os acontecimentos: Galileu, Kopérnico e Kepler destruíram o dogma de a Terra ser o imóvel centro do Universo e o homem, o bem-amado filho único de deus. Não, a terra era um planeta insignificante e periférico, a girar, não em círculos concêntricos, mas em variáveis elipses, e o homem, um grão de areia a se desfazer à toa. Foram Leonardo e Michelângelo os primeiros e os que mais sentiram a desilusão e o horror, a corrupção e a decadência do homem, repavimentando assim os trilhos por onde, séculos depois, fluiria livre a escrita pictórica de Antunes: o primeiro, através do seu "sfumato", diluiu-lhe os contornos, e o segundo o pôs, não mais como filho único e mimado a exigir prerrogativas, mas de joelhos a pedir clemência e perdão ao suposto e irado juiz do Juízo.

Transcorridos tempos, e Maurice Denis pontificou a pintura nada mais ser que cores dispostas numa determinada ordem, insinuando destarte o fim da figura, libertando-nos do seu jugo mimético. Klee, tímido e lacônico, condensou filosoficamente: a arte não revela o visível e sim o invisível. E Kandinsky, em 1910, em seu "Über das Geistige in der Kunst", mais explícito, arrematou: a arte não mais precisava se referir a objetos exteriores, mas comunicar emoções e sentimentos através do impacto da cor e da forma, agindo como uma música visual. E é exatamente aqui que Antunes faz jus a todo esse pródromo, porque tal como em todo ser humano implícita está a trajetória inteira da Humanidade, em cada artista consubstanciada se encontra a história da arte. Antunes constitui exemplo vivo dessa evolução.

Artistas há que desde a mais terna infância manifestam seus pendores artísticos. Outros, os mantêm latentes, em estado de temporária hibernação. Até que certo dia chega o "turning point", acontece o seu "fiat lux" e a arte floresce avassaladoramente. A "conversão" de Antunes é sintomática e paradigmática: irrequieto e perguiridor, investigativo, peregrinou ele por tortuosos caminhos pertencentes às ciências exatas que, no entanto, não lhe proporcionaram respostas satisfatórias para as indagações acerca do mistério que move a vida e o mundo. Encontrou então, nos anos noventa, o canal apropriado no estudo da arte. Fez cursos e workshops de texturas e abstratos com consumados artistas, no Museu Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro, e de composição e harmonia, em Goiânia. Paralelamente entregou-se, e in loco, ao minucioso estudo dos clássicos, nos museus e galerias da Europa e dos Estados Unidos.

O resultado aí está - eclético e ecumênico, antropofágico mesmo, desenvolveu Antunes um idioma absolutamente próprio e autoral que nos toma de assalto para logo em seguida nos apaziguar em plácida contemplação. Sua pintura ganha corpo como delicada melodia de partitura musical. De fato, assim ele se sente. Parado diante da tela, livre e disponível, despido de toda e qualquer inibição e censura, escuta os sons do silêncio e sente o impulso que leva a mão que segura o pincel de encontro à tela. Daí em diante, não mais há um Antunes pensante; o que há é um maestro intuitivo a reger a sinfônica de cores que em desejável harmonia plural se inscrevem sobre o suporte, dele se inteirando por meio de linhas retas e curvas, símbolos geométricos, sinais, semas e signos biomórficos e pour cause significativos - tudo réplicas muito bem amarradas, sem no entanto deixar de respirar por arejados corredores, do seu eu mais íntimo em busca do "outro" - nós, apreciadores finais, que nada entendemos de técnica, mas, impactados estetica e emocionalmente, sabemos o que nos agrada e faz bem. A arte de Antunes não é para ser entendida, é para ser sentida.

Rio de Janeiro 2003

Alexandros Papadopoulos Evremidis = > escritor crítico > Email


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