| Áquila - pinturas |
> O vôo da/do águia/Áquila > a pintura como "experiência cósmica"

©Allexandros Papadopoulos Evremidis*

É perigoso dizer da arte do Áquila - tendo já (quase) tudo de bom sido dito, corre-se o risco de redundância, tautologia, mera retransmissão. Direi então da afetiva associação de idéias - da liberdade e da autonomia de vôo da águia e das que o artista se permite no ato de criar; do olhar agudo e penetrante e da visão composta de ambos; da determinação e da precisão, compulsivas e compulsórias, na persecução do objetivo.

Nos conhecemos tardiamente por vias da dança - início dos 80, ele combinado com uma coreógrafa, eu me arrastando atrás da ninfeta da companhia, que por instantes idealizei como prima-bailarina. Lembro de, na primeira vez, ter notado abundantes respingos de tinta colorida nos jeans surrados e no tênis básico, o que denunciava o pintor, não o operário. Era vaidade, modismo, efeito colateral, osso do ofício? Em qualquer das hipóteses era arte. Viva e, portanto, cinética, em insinuante movimentação.

Quando surgiu a questão da fatura do cenário para o anárquico e subversivo conto "El Gabal", de Cocteau, tive oportunidade de ver Áquila em plena ação, não, performance pictórica - não com cavalete, paleta, pincel, tela, mas com latões de tinta industrial e broxas, ora subindo e descendo escada ora se debruçando sobre a lona de consideráveis dimensões teatrais, numa abordagem absolutamente sensual, quase erótica. Um embate que ele executava com etérea agilidade, mas também com imenso esforço físico - era inequivocamente um operário. Foi aí e foi então que nasceu minha incondicional admiração por ele. A operação resultou em monumentais "telonas" recobertas com largas passadas, patches cromáticos justapostos em discreta diagonal e contidos nas cores primárias - em suas afogueadas e siderais variações. Era uma chuva cósmica e eram as marcas dos passos dos bailarinos que subiam pelas paredes e sobre elas dançavam a dança da vida e da morte de El Gabal - o lúcido e desbocado e debochado e desiludido adolescente imperador romano que denunciava a hipocrisia e a cupidez e que acabou morto afogado na fossa dos esgotos de Roma. Sintomático, não?

Anos depois e eventuais esbarrões, certo fim-de-tarde, em visita ao Paço Imperial/Rio, abro a porta de uma das galerias superiores, daquelas providas de duas portas em paredes opostas, e inadvertidamente sou tragado e mergulhado, afundo na tênue penumbra de um mundo azul. Sim, tudo azul - paredes, teto, chão, portas - pelo menos foi essa a feliz sensação que de mim se apoderou e subjugou - a de um pleno e completo campo de sonhos. À meia distância, entre a base e o alto, corria sobre as paredes uma faixa cromática de intensa dramaticidade e significação, composta por aquelas mesmas cores do cenário de El Gabal, as cores que agora podemos chamar de "as cores do Áquila" - águia de vôo certeiro em defesa da arte da pintura com a qual todo ele e em toda a inteireza do seu ser se confunde, impregnado que ele, de modo seminal, dela é.

Hipnotizado (não era onírico?) e encantado, entorpecido e narcotizado, lembro de subitamente ter me apercebido da silenciosa presença dele em um canto da sala, diante de uma bancada ainda recoberta por papéis esboçados, tintas, pincéis. Jubiloso, pronunciei então, como se em êxtase místico, palavras definitivas para o meu entendimento da arte: Áquila, eu disse, quer dizer então que nós e nossas vidas inteiras estamos cercados pela pintura?! O mundo é uma pintura e nós estamos no meio dela!? Sim, parece que sim, ele falou baixinho e me pareceu visivelmente comovido. Nesse caso, nos encontramos no cosmo e este é o cinturão de Órion, exclamei e estendi os braços como se flutuasse e voar desejasse. E então rodei e rodopiei seguindo a trilha, as pegadas e as passadas, o rastro de Áquila, a suas história de quadrinhos continuada, a história do mundo, a sua gênese celestial, a sua cosmogonia. E era bom e muito me agradou ter lá estado e testemunhado aquele instante de rara beleza.

Também não esquecer que minhas inúmeras visitas ao Belas Artes obedecem a um ritual - ao adentrar o hall e dar de frente com a pudica Vênus romana, desvio o olhar para esquerda, onde lá no alto da parede suspensa está uma pintura de Áquila e depois para direita onde, na mesma posição da anterior, há uma segunda pintura do Áquila. Sinto então como se elas fossem as guardiãs dos portões do paraíso terrestre. E sigo em frente, subo as escadas e, lá do alto, já no mesmo nível que elas, torno a repetir o ritual dos olhares e das sublimes sensações.

Não é para isso que serve a arte do Águila/águia - para nos fazer perder o medo, abrir as asas e voar pelo infinito do espaço, todo ele uma pintura só?!

Rio de Janeiro - Novembro - 2005

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > E-mail


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