| Antonio Bokel |


©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

Existe um lugar de magia e encanto e ele se encontra no endereço acima. Um singelo portão o separa da febril rua e do insensato mundo. Um estreito corredor, ladeado pela parede de um sobrado e o muro de um ginásio, nos conduz até a luz no fim do túnel - o campo dos sonhos. Passos adiante, o corredor se alarga à esquerda e forma um patiozinho interno, todo enfeitado com plantas e flores.

À direita, três casinhas de boneca enfileiradas. Na terceira, não havia sinal de vida. Na segunda, um atelier de cerâmica, limpinho e ordeiro, onde as simpáticas e acolhedoras artistas, Luciana e Denise, fazem e ensinam a milenar arte do barro virando algo que antes não existia - criação, portanto. Na primeira, destino de nossa incontrolável ansiedade (logo saberá o leitor por quê) está instalado o Mínima Galeriabistrô que faz jus absoluto ao epíteto, já que a porção galeria é do tipo 3 por 4 e o bistrô, composto de mini-bar e duas mesinhas, outro tanto. Tudo minimalista e essencialista - artístico. Para que mais? Afinal, não é atrás da imaculada pureza fundamental que os artistas correm desde sempre e radicalmente desde o início do século passado? Nesse aspecto, a Minima é Máxima!

Em compensação, o que o espaço tem de reduzido, esbanja em elegância, bom gosto e flagrante intimidade. Um clima e uma atmosfera de conto de fada pós-qualquer definição, cortado e costurado sob medida - a medida, o porte e a finesse da responsável pelo espaço, Kitty, cujas feições, approach e assinatura são sensíveis e perceptíveis em toda a extensão e alcance. Tem-se a nítida sensação de se estar em outro mundo - um mundo invejável e "pour cause" desejável.

E foi a esse mundo onírico que o jovem artista Antonio Bokel recorreu para expor seu "69 DPI" e nos revelar o que aqui transfigurar e transliteraremos para

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Ousado e audacioso, é isso que é ele é, corajoso e destemido. Uma câmara na mão e a cabeça a delirar. Em transe tectônico, fotografou em closes monumentais o rosto de uma mulher diante e durante aquilo que nos faz temer, tremer, gemer a ponto de pedir para morrer.

Os olhos semicerrados, a pele afogueada, a sôfrega boca entreaberta, os pedintes lábios vibrando em expectativa. Sim, sim, a palavra é essa - expectativa! Todo o trabalho desse artista gravita em torno desse sublime estado que engendra esperança, que é o que nos move e faz viver.

Parece até que, no preciso instante do ato de fotografar, absolutamente litúrgico e demiúrgico, Bokel fez o mundo tedioso dos objetos se abstrair e desaparecer e conclamou e conjurou e concentrou e concertou todas as forças luminosas e obscuras e as leis subjacentes aos céus e aos infernos do Cosmos como seus cúmplices e conspiradores.

E foi com o concurso deles que Bokel conseguiu captar a essência daquele instante - o instante da espera pelo que viria a se configurar no encontro e na criação da centelha de vida que se desprende e se derrama e povoa os territórios do desconhecido - objeto de sua própria busca. Não foi assim que Zeus lançou as sementes do seu cruel pai Chronos sobre a terra e o mar, para de suas espumas surgir Afrodite, deusa de todos os amores e genitora de Eros - arcano guardião de todo desejo?

Não sabemos se Bokel macetou as fotos na hora do clique ou depois. O fato é que o resultado se consubstancia em colorido vibrante, insinuante e sugestivo. Pode-se até dizer terem elas sido tiradas com uma câmara dessas que detectam os orbitais nevrálgicos por onde navegam a energia e a temperatura da carne - tudo em tons rosa, vermelho, laranja, violeta, roxo, fogo; e todas dialogando em contraponto com os interstícios e intervalos escuros da zona cinzenta.

Já o conteúdo delas, os rostos, eles parecem ter se libertado do suporte e ganhado o mundo da autonomia e da liberdade, fantasmagoricamente suspensas na imensidão do espaço. Sintomaticamente (?), além das que pendurou em pontos estratégicos do espaço geral, ele dispôs a maioria das fotos, em série e em forma de painel, na superfície do teto da mini-galeria. No chão, dois confortáveis pufes para os observadores se deitarem e, no aconchego da proximidade carnal, apreciarem a visão celestial e viajarem pelos meandros do sonho e da fantasia subliminar.

E Bokel não parou aí - apontou também o canhão do projetor para os céus e projetou sobre o lado inferior de um toldo um vídeo em que capturou toda a cadeia das expressões faciais de uma mulher que, num incessante crescendo, em pleno sexo, ora homóclito e ora heteróclito, ora vaginal e ora oral, se precipita de encontro ao êxtase e à apoteose da humana sensualidade líquida. Uma enxurrada de emoções e sentimentos descontrolados. São, sem dúvida, momentos de extrema sacralidade e estética, que nos dominam e subjugam, tornam súditos.

O título da exposição - "69 DPI" - irremediavelmente se presta, e com justa razão, já que certamente intencional e travessa, à ambigüidade erótica - afinal quem não sabe qual a corrente significação do 69? O que talvez os leigos em informática não saibam é que DPI significa "dots per inch", o que vem a ser "pontos por polegada" e que por sua vez indica o maior ou menor grau de definição das imagens, "puxar o grão", "tornar visível a grade", a pixelagem (picture elements), como se diz no jargão de laboratório. Bem, 69 é um módulo muito baixo, daí porque, no dizer do próprio, além das razões implícitas na temática, que dilatam os vasos, os apêndices, os poros e os orifícios, as fotos e o vídeo de Bokel nos dão a impressão de estarem se distendendo e desmanchando, gradativamente se abstraindo do real e mergulhando no imaginário e no mundo das idéias sobre o que é erotismo, o que é pornografia e o que é arte. No 69 de Bokel há de tudo, menos pornografia - esta, prejudicada por pertencer aos domínios do obscurantismo moral, não aos da heliotrópica arte. A arte, esta sim, está presente, e sinfonicamente!, com todos os seus atributos essenciais.

Rio de Janeiro 2004

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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