"Em nome de Deuses", fotografias de Adriana Ribeiro
A antropofagia órfica de Adriana.

©Alexandros Papadopoulos Evremidis*

A star is born, diria Hollywood e não estaria errada. De fato, das trevas, nasce uma estrela e seu nome (anote-o na agenda já que logo ouviremos mais dela) é Adriana Ribeiro. Surge ela toda resplandescente de dentro da câmara escura de uma máquina fotográfica; das entranhas de um quarto escuro de laboratório fotográfico; do ventre da semi-escuridão do Galeria, em meio a seus trabalhos - autênticos ícones! - expostos nas paredes daquele espaço contemporaneamente artístico 'per se'. E ela ali, toda jovem, cercada por jovens, toda bonita, toda reluzente em seu vestidinho negro, a pele alva contrastando. Radiante e irradiante. Toda simpatia e charme, aconchego e acolhida. Parece um anjo, caído do céu e, portanto, mefistofélico.

Sim, é preciso ver, olhar atentamente para apreciar e entender os trabalhos dela para justificar o encômio. É preciso mais - não resistir a ela e a suas obras. (Como se, resistir, adiantar fosse!) Não, ela nos subjuga, domina e arrasta para o seu mundo de antes dos tempos. Sua sedução e seu encanto, sua magia negra, tudo dela é mais forte que nós. Os mistérios estão todos presentes - religiões místicas, gnósticas e agnósticas, vodoos, macumbas, hecatombes, politeismos, deuses e demônios - um tremendo de um despacho para os territórios do desconhecido, do obscuro, do inquietante. Lá onde só à Arte é franqueado o acesso. Mas seu olhar não é devoto; antes, crítico e demolidor. Sentimos arrepios diante de suas retalhações do corpo humano. Suas imagens reunem aquela qualidade de selvageria extrema e ritualismo hierático. Não há dúvida, trata-se de uma sacerdotisa da manipulação das forças ctônicas, subterrâneas, primevas.

Fotografias, diz ela. Mas fotografia é destacar e congelar a fração, relegá-la ao eterno e ao infinito. Não, ali, há algo mais do que fotografias - há pungência, vigor, sensualidade e sexualidade exacerbadas, procedimentos de fecundidade, vida. Há em suas criações o que se vê e há o que se intui. O que se vê são pequenos trechos e fragmentos da geografia corpórea humana, realçados e recriados em escala monumental, hiper-realista, conferindo-lhes re/significações perfurocortantes. Elevou-os, Adriana, à categoria de entidades totêmicas e nos deixou prostrados, em adoração. Há troncos, braços, pernas, seios, membros, sim, membros imbuídos de procriadora potência. Há crucifixos e há rosários. O que se intui são "Ave, Marias!" Aquela Maria e estas outras Marias a quem não foi concedido o direito à avalanche das humanas paixões e sentimentos, tão profusas na artista. Envelheceram-nas e ressecaram-nas. Em nome de deus, de deuses.

Mas que deus e que deuses, se deus e deuses não há?! Se o que há são senis representantes do inexistente, intermediários espoliadores, inescrupulosos aproveitadores da inocência e da ingenuidade dessas multidões mantidas em currais escuros, em matadouros. O que há são mistificadores e charlatães. Depreendemos, então, da filosofia imagética de Adriana, que não basta criticar e opor-se às religiões e a seus abutres, é preciso rejeitá-las vigorosamente e em bloco, aniquilá-las in totum. Ignorá-las apenas seria conivência e postura de inocentes úteis.

E ainda que os houvesse, onde estão esses deuses? Os deuses fartam-se de sangue. E, de fato, há sangue em abundância, que essa angelical menina lhes atira aos jatos e que se confunde com o róseo das musculosas carnes em contida tensão. Sangue provindo dos sacrifícios processuais, das oferendas do hímem, das mutilações clitorianas, das purificações uterinas dos interiores impuros, das celebrações órficas e orgiásticas, dos paroxismos orgásmicos, da catharsis espiritual. Do sangue dos inocentes. Corpos se abraçam e se fundem em sua saudável animalidade e ressurgem todos inteiros, tridimensionais, cobrando seus direitos. Os deuses silenciam.

Mas isso são apenas palavras que num incontrolável refluxo nascem em nós e exigem sua expressão mais candente. Expressão, esta a palavra de ordem recebida dos elementos com que Adriana lida, e é isso que ela quer - se expressar, com todos os meios e por todos os canais condutores do seu corpo, suas formas e seus conteúdos, seus medos e seus anseios, sua libertação.

Poderia Adriana ter optado pela pintura e despejado latas de tinta sobre os suportes, ao sabor das emoções e da dinâmica estendida dos braços. Mas não, escolheu a arte dífícil da fotografia que opera com frações ínfimas de tempo/espaço e luz, apenas perceptíveis por agudas sensibilidades. Queria agrupar e compor, manter a soberania de sua psiqué intacta, nem um detalhe poderia escapar-lhe ao domínio, nem ela se abandonaria ao acidente feliz de uma ocorrência artística. A arte é-lhe cara demais ao coração e à vitalidade transbordante, que emana de sua libido, para deixá-la nas mãos do destino. Ela quer criar e procriar, construir seu destino e escrever, ainda que com o sangue vertido, a sua história pessoal, que no entanto se funde com as aspirações universais, deter as prerrogativas do início ao fim. Todo demiurgo sente e é movido assim. O clic da máquina, instante único e sublime de decisão, seria seu turning point - a guilhotina decepadora ou o fiat lux. Quis que fosse o segundo e a luz se fez.

Adriana é pós-pós qualquer coisa. E assim como dois 'nãos' na matemática equivalem a um 'sim', também aqui, esse duplo 'pós' caracteriza e configura um 'adiante', muito adiante, lá longe onde Adriana está, estrela solitária - por rara, não por infeliz. Não podemos, sem risco grave para nossa sanidade, seguir-lhe as pegadas, nem é apropriado apropriarmo-nos de seus atributos. Apenas, o resto que nos resta, absorver parte do seu brilho e nos aquecer e iluminar. Sustar os tremores e rasgar a escuridão. E isso já é tudo. Cum laude!

Rio de Janeiro 2003

©Alexandros Papadopoulos Evremidis > escritor crítico > Email


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